William Geovane Carlos


O HISTORIADOR E ALGUNS CONFLITOS DOS INTERESSES DAS CLASSES



O presente artigo tem como objeto de estudo uma grande questão na atualidade, que são os interesses das classes que compõem a sociedade moderna. Estes interesses entram em choque um com o outro por muitas vezes representarem visões muito distintas para com um mesmo acontecimento ou ainda, cada grupo quer representar tais fatos ou acontecimentos a sua maneira, que por vezes obscurece um todo historiográfico. Apesar de o tema principal ser sobre estes requerimentos das classes, o foco aqui será sobre a visão que um historiador tem que ter em relação a isto, contextualizando os eventos e não caindo na falácia do anacronismo ou no próprio julgamento sem fundamento. Obviamente, este estudo está respaldado pela historiografia da História Política, concentrando em três autores, sendo eles Amado Luiz Cervo, Edward Palmer Thompson e Marc Bloch. Com este assunto, irei me ater a entrelaçar a visão destes três autores e assim produzir um trabalho coerente de analise sobre o que é mencionado em suas obras. Ao final, foram notados aspectos que evidenciam que no jogo de interesses da sociedade, entra em debate diversas questões que podem causar empecilhos a determinados grupos, sendo estas questões de caráter econômico, político, religioso e até o dito social, onde quase sempre as vontades dos mais ricos e poderosos prevalecem acima das outras pessoas, que querem ser ouvidas e levadas em consideração.
 
Introdução
Como uma grande preocupação de nossa modernidade no meio acadêmico, a visão devidamente fundada e contextualizada do historiador se faz cada vez mais necessária, pois para os que são mais leigos neste ramo, tem-se um pré-julgamento dos fatos, eventos e decorrências, sem nenhuma base científica plausível, que acaba levando ao dito anacronismo com o qual todos devemos tomar especial cuidado para não interpretar erroneamente as coisas, pois cada época tem enfoques diferentes nos mais diversos ramos, principalmente no que é ligado aos estudos, contendo até interferências e influências de variados meios da sociedade de determinada época.

Desta maneira, a pretensão de trabalho aqui será especificamente com a visão do historiador, analisando as ditas classes sociais, englobando os interesses antagônicos de cada lado da sociedade, sem deixar de levar em conta a época abordada e também a época em que foi escrita cada uma das bibliografias que são as bases para a produção deste artigo, com enfoque analítico.

A primeira obra principal a ser analisada é a de Edward Palmer Thompson, com o título “Patrícios e Plebeus”, que é um capítulo de uma obra maior, de nome “Costumes em Comum”, lançada em 1998 no Brasil. A segunda obra principal que será analisada é a de Marc Bloch, com o título “Como e por que Trabalha um Historiador”, que também é um capítulo de uma outra obra maior, com o nome “Lições de História – Da História Científica a Crítica da Razão Metódica no Limiar do Século XX”, lançado em 2013 no Brasil. E como última obra principal a ser analisada, será a de Amado Luiz Cervo, com o título “Relações Internacionais da América Latina – Velhos e Novos Paradigmas”, lançado em 2001 no Brasil.

É necessário que se entenda que este artigo consistirá na discussão do tema proposto, entrelaçando métodos e ideais dos autores e obras principais citadas, não se concentrando especificamente nos temas abordados por estes autores em suas respectivas obras. Assim obtendo uma visão mais única para o que será abordado.

E se mostra importante para a elaboração deste trabalho de análise bibliográfica, o conceito apresentado por ‘Antônio Joaquim Severino’:

“A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses etc. Utiliza-se de dados ou categorias teóricas já trabalhadas por outros pesquisadores e devidamente registradas. Os textos tornam-se fontes dos temas a serem pesquisados. O pesquisador trabalha a partir das contribuições autores dos estudos analíticos constantes dos textos.” (SEVERINO, 2007, p. 122)

Vale ressaltar que no decorrer deste trabalho, possivelmente será utilizada bibliografia adicional para enriquecer o conhecimento e a discussão aqui proposta, mas o foco será para com as três obras e autores mencionados. Tudo se levando em conta o jogo de interesses em que a sociedade está inserida, onde cada grupo tenta preservar ou ampliar o que detém, pouquíssimas vezes dedicando-se para com as preocupações dos outros patamares sociais, principalmente os que estão em níveis abaixo.


Sociedade em Conflito pelos Interesses Antagônicos das Classes
Falar de classes é um tanto complexo, isto se deve ao fato de a terminologia classe ter surgido durante o século XIX para alguns autores ou mesmo antes para outros, mas o que os historiadores têm em mente são as diferentes categorias ao longo dos tempos e ao que se denomina cada uma dos termos que foram surgindo, não caindo na falácia do anacronismo ao aplicar argumentos relacionados a qualquer época histórica.

Sabe-se que a história trata do homem e de tudo que sofreu sua influência, tanto que antes do mesmo se tornar o homo sapiens sapiens atual, se tem a denominação de pré-história. Então, se um historiador está em pleno conhecimento disto, ele também está ciente que o homem sofreu diversas mudanças conforme se passavam os anos, assim atingindo diversos meios que se perpetuam e ao mesmo tempo sofrem variações, estas que geram as diferenças e por vezes levam ao conflito.

Apesar disto, o que a de ser indagado aqui são os grupos humanos dentro de uma mesma nação, aldeia, cidade, reinado ou até sociedade como temos atualmente. Sempre foram surgindo segregações semelhantes em diferentes sociedades, cada uma com sua respectiva atribuição e consequente verdadeira denominação, assim entendo que seria muito errôneo aplicar os mesmos dizeres em uma época com diferentes contextualizações, que seria o equivalente a chamar os antigos filósofos gregos de ateus, sendo que não se existia tal termo na época, desta maneira se estaria aplicando julgamento e visões do presente para com o passado, cuja faceta histórica era outra.

Em diversas sociedades se tinham os guerreiros, os religiosos, a população e diversas outras derivações. Aqui pode-se ressaltar a Idade Média, que estava dividida em estamentos, em sua maior parte, com o primeiro estado ficando para os clérigos, o segundo estado ficando para a nobreza e o terceiro estado ficando os servos ou a população de maneira geral, somente os reis ficavam acima de todos. Somando a isto, o próprio rei já chegou a acumular em si, todos os poderes de comando, inclusive os clericais, assim também surgindo a denominação de absolutistas.

O pensamento do medievo, ou até da antiguidade, só vai mudando conforme a população vai adquirindo mais controle sobre a própria vida e procura explicações para tudo o que ocorreu e que ocorre, escapando da visão clássica de ser algo imposto pelo divino. E neste interim, os grupos sociais sofrem as modificações que parecem naturais, quase sempre demonstrando que alguém fica acima dos demais, seja por poder político, capacidade aquisitiva, crença exacerbada ou até mesmo, alto grau de intelectualidade.

Hoje percebe-se que mesmo as classes sociais existentes, possuem ramificações dentro delas, aumentando o grau de diferenciação e possível conquista de privilégios. Como exemplo se tem a classe baixa, que são os pobres e que são até segregados entre pobres, muito pobres e miseráveis; a classe média, que pode ser dividida entre classe média alta ou média baixa; e a classe alta, que são os ricos, mas que também divergem em bilionários, milionários e simplesmente muito ricos e somente ricos.

Como fica em destaque, a divisão social atual se concentra em poderes econômicos, mas também pode recair para a segregação de classes por seu ofício, gerando os grupos que se diferenciam pelo que trabalham ou tem acesso, como a classe universitária, a classe dos médicos, a classe dos advogados e entre muitos outros, onde cada um tem o sentimento de unidade para com outras pessoas do mesmo ramo ou até completo desgosto para com grupos inteiros.

Um outro grande ponto que o historiador tem que levar em conta ao analisar uma dita sociedade, é no que diz respeito ao caráter formador, com características paternais ou características matriarcais, isto tendo em vista a melhor analise e não um julgamento de que determinada sociedade era machista ou feminista, até porque tais termos, assim como as denominações classicistas atuais, nem sequer existiam  a algum tempo atrás. É importante ponderar sobre isto porque conforme estas características, alguns atributos e conceitos acabam sendo mais valorizados que outros, ocasionando diferenciações e classes que podem ser diferentes se tal sociedade fosse moldada seguindo outras características formadoras.

Então, segundo a descrição da sociedade inglesa, dita por ‘Edward Palmer Thompson’:

“Nas primeiras seis décadas do século XVIII, a tendência era associar a gentry com a terra. A terra continuava a ser o índice de influência, o plinto sobre o qual se erigia o poder. Se acrescentarmos ao status e riqueza fundiários propriamente ditos aquela parte da indústria que servia diretamente ao interesse agrícola (transporte, selaria, construção de carroças etc.) ou que processava os produtos agrícolas (fabricação de cerveja, curtume, moagem, a grande indústria de lã etc.), poderemos ver que lado pendia a balança da riqueza.” (THOMPSON, 1998, p.25)

Desta maneira é facilmente notável a caracterização monetária para as classes sociais, que de acordo com Thompson, já estariam presentes desta maneira tão modernizada no século XVIII, corroborando em uma dúbia relação entre os que eram de alta estirpe, ou gentrys, e os de menores condições, sendo que a terra garantia poder e influência aos ricos e relegava servidão aos trabalhadores. Assim, todos sabiam a quem deveriam subjugar e a quem deveriam ser subjugados.

Aqui pode ter a ponderação do trabalho deste historiador, onde ele afirma a existências de classes sociais no século XVIII, mas pode ser interpretado outras visões de historiadores que dizem que as classes foram surgir com o advento da Revolução Industrial, como fica explicito nas obras de Eric Hobsbawm, ou ainda se tem as versões menos intelectuais deste assunto, caindo nos dizeres leigos e até populares, como exemplo, dizer que já se tem classes estabelecidas na Revolução Francesa, algo contraditório com um evento histórico que ainda estava em andamento.

A discussão e as divergências das classes sociais podem levar a divisões muito maiores e mais extremas, como os blocos de aliados econômicos ou até militares. Fica mais fácil de argumentar sobre isto tendo em mente o que acontece atualmente na economia mundial, com grupos de países utilizando a mesma moeda ou realizando algumas sanções, mais de caráter econômico, conjuntamente e no bem desenvolvimentista do grupo, mas quando alguns interesses são mais extremados que outros, ocorre a desvinculação de nações deste tais grupos, como é o caso do Brexit, onde a Grã-Bretanha saiu do bloco econômico da União Europeia por conta de seus interesses particulares divergirem as maior parcela de integrantes.

Para se realizar comparações, pode-se pensar nestes blocos de nações como, em muitos aspectos, parecido com as classes sociais propriamente ditas, contendo países que pertencem ao chamado primeiro mundo, segundo mundo ou terceiro mundo; ou recorrendo a outras denominações, como desenvolvido, em desenvolvimento e subdesenvolvido, tudo para classificar diferenças que em maior ou menor quantidade, acontece de serem acentuadas acima de outros aspectos.

Insere-se nesta discussão os blocos formados para guerras, sendo um grande interesse claro de visões e influências diferentes para suas áreas de controle, que ao se chocar com outros que não se submetem, utilizam da força para se impor, como na Primeira Guerra Mundial, que contava com alguns dos últimos países imperialistas contra as maiores nações democráticas daquele tempo, assim ocorreu um conflito que dragou mais nações que queriam ser visíveis para com a influência dos grandes países com melhores condições.

Toda esta indagação sobre blocos de nações ajuda a ilustrar o exemplo que é a segmentação entre classes sociais ou mesmo grupos distintos do passado, com interesses em comum ou conflitantes entre a população, mas pode ser notado a característica semelhante entre as diferentes classes, onde sempre se teve o de melhores condições se colocando em patamares maiores dos que são menos favorecidos, mas um historiador não deve olhar a divisão classicista sem entender o processo ao qual tudo está inserido, não pretendo aplicar valores que podem não estar presentes em determinados momentos.

Algo que é digno de nota é o fato de que os historiadores remontam a outras épocas ou mesmo aos próprios tempos por meio da análise documental, com uma determinante variante que é o simples fato da conservação, pois nada dura para sempre, mas se algumas coisas forem melhor guardadas, mais tempo de duração poderá ter, implicando em demasiados estudos provenientes de outras perspectivas que as pessoas que estudaram em seus respectivos tempos podem não ter pensado em tais hipóteses.

Como medida de escolha do que manter o seu foco, os historiadores podem deixar passar uma ou outra ideia de caráter secundário naquele momento ou em outros planos, o que também pode afetar pesquisas futuras, não mudando o fato de que a sociedade está em constante transformação, contendo até mesmo ideologias sendo defendidas muito tempo depois de épocas que eram abolidas. Tudo então acaba sendo concomitante às classes sociais, que aderem ao que seu momento de vivência entra em contato, pois todo ser humano é fruto de seu tempo, ninguém é mais avançado, pois foram suas épocas que corroboraram para suas mudanças e percepções.

Existe também uma outra problemática que pode dificultar o trabalho historiográfico, principalmente no que se refere às classes, que se aplica para quando ocorre o trabalho com outras nações ou mesmo outros tempos, que é a questão linguística. Como os documentos para analise podem estar em diversas línguas com suas peculiaridades, o historiador vai encontrar empecilhos, mesmo que este seja proeminente e que tenha aprendido outros idiomas, ninguém é capaz de saber todos, tendo-se ainda os idiomas esquecidos, tidos como línguas mortas, assim as traduções por mecanismos se fazem úteis e ao mesmo tempo perigosas, porque podem não estar expressando o sentido de algo que foi produzido em determinado período.

Por vezes na história, uma classe se prenunciou como um grande corpo, ou seja, mesmo sendo pessoas de nações adversas, ainda sim o pensamento e a visão de mundo comum e igualitário para suas crenças e para quem acredita nelas acabou unindo muitos sob uma égide ou uma “bandeira” que as definiam enquanto classe pensante, aqui podendo ser citado os socialistas, os comunistas ou até os grupos fascistas, tanto como como fascismo italiano e o nazismo alemão, além de muitos outros agrupamentos de populações com o mesmo ideário.

Mas porque os grupos citados podem ser definidos como classes? Isto se deve ao que está sendo discutido aqui, onde pessoas com ideias semelhantes e condições parecidas se unem na promoção da causa em que atuam, independente de quem possam ir contra e quais danos podem ser causado a outrem, um propósito muito parecido  com as classes sociais de hoje ou com os estamentos medievais, crescendo sua área de atuação e angariando os iguais para suas proximidades e repelindo os diferenciados.

O que pode ser interpretado como extremismo de uma classe é o fato de classes muito ideologizadas assumirem o poder em suas nações e tentarem impor seus pensamentos em outros países ou até mesmo se impor acima de outros países pelos fatores já discutidos, assim chegando ao exemplo de que o mundo é uma grande sociedade, onde os países mais influentes assumem o espaço de classes mais poderosas, em detrimento dos países mais pobres, que assumem o lugar das classes subalternas. Isto aconteceu muito durante e depois das guerras, com países como Estados Unidos tentando angariar aliados e ao mesmo tempo se impor acima deles, não muito diferente do que acontece atualmente.

O autor ‘Amado Luiz Cervo’ fornece um grande exemplo destes grupos internacionais e sua formação em momentos de necessidade:

“A América Latina passou a adquirir grande destaque na opinião pública e nas esferas políticas dos norte-americanos em meados de 1942, quando as vitórias de Rommel na África do Norte despertaram o temor de um ataque as Estados Unidos através da penetração na costa atlântica sul-americana. Nesse contexto, a neutralidade argentina repugnava ao sentimento nacional americano.” (CERVO, 2001, p. 49)
Neste enxerto fica facilmente notável a questão a qual a analise se perpetua, onde as classes se aliam e nestas alianças, surge as cooperações com quem pensa semelhante ou as desconfianças com quem é de outro patamar, elevando-se ainda no quesito de guerra, pois a urgência e a necessidade podem levar a atitudes desesperadas e talvez comprometedoras, tudo em prol daquele mesmo grupo que se tem como dominante.

É necessário que se entenda que o conceito de conflito de classes foi primeiramente idealizado por Karl Marx em seus estudos, mas sofreu adaptações, modificações e diferentes interpretações ao longo dos anos, ficando exposta uma certa crise estrutural derivada destas situações conflitantes e constantes, em que os governos não conseguem resolver a situação, justamente por eles mesmos pertencerem a algumas das camadas classificatórias da sociedade e como nenhum ser humano é idêntico ao outro, possuem seus próprios pensamentos para o desenrolar dos fatores em que se deparam.

O aparato político se torna relativamente teatral nas diferentes classes, pois quem tem o poder  e o status elevado, vai continuar exibindo-o de uma maneira ou de outra, não importando o quão “bondosa” esta pessoa possa ser taxada, além de que as classes menos favorecidas estão quase sempre tentando ascender nas camadas sociais, mesmo que seja praticamente impossível dependo da época em que isto está acontecendo, como exemplo novamente da era medieval ou até da antiguidade, onde cada um tinha o seu lugar e a resposta para isto só seria encontrada nas vontades das deidades presentes nas crenças destas épocas.

Em incontáveis momentos históricos, pode ser percebido que as classes e tudo o que gira em torno disto, se resumia a apenas dois lados, como o certo e o errado, ou o divino e o demoníaco, ou até o rico e o pobre, caindo assim nas classificações de Thompson, com os patrícios representando a alta classe e os plebeus sendo exemplos da classe baixa ou os trabalhadores, sendo dois extremos que sempre estão se perpetuando, não esquecendo que os alcances aquisitivos e os vieses ideológicos são os que mais causaram e causam tais divisões em toda e qualquer sociedade. E isto não entra na característica anacrônica, porque as definições mudam, mas as bases de classificação ainda continuam recorrentes.

Um entrelace questionável para o historiador repensar todas os seus parâmetros analíticos é baseado em quem deixou algo para a posteridade e sob qual intenção, pois m muitos casos, a história acaba contendo meias verdade, isto por ser muitas vezes escrita por quem estava no poder ou quem prevaleceu em meio a guerras e afins, assim sendo difícil caracterizar as classes, porque a indagação que sempre se apresenta é se aquilo é verídico ou manipulado por alguém que seja simpático aos comandos vigentes. Pegando como exemplo o nazismo, onde quem apoiava via as atitudes nazistas como uma maneira de elevar o valor alemão sob o ultraje de possíveis traidores, conspiradores e atos que prejudicaram a nação alemã.

O problema historiográfico de análise documental para entender formações de determinadas sociedades, também recai sobre diários e correspondências da época, onde a intencionalidade muitas vezes fica escancarada, pretendo transmitir uma visão totalmente diferente do que aconteceu na realidade, invertendo valores, onde aparecem afirmações de que algo que era ruim na verdade foi bom e de algo que era bom na verdade foi ruim. Novamente pegando o exemplo dos documentos nazistas, onde os líderes tentaram transmitir uma imagem pacifista e justificada de seus atos, culpando outros por mergulharem o mundo na grande guerra que se alastrou mundialmente.

Pode parecer que esta discussão tomou um rumo extremamente diferente do proposto, mas na verdade tudo no trabalho historiográfico se mescla, onde estas ideias têm que estar “frescas” na mente de quem pretende estudar as nuances da história, para não cair nos problemas já citados do anacronismo e pré-julgamento indevido. Assim pode-se realmente trabalhar com o conceito das classes e a formação dos grupos antagônicos dentro de uma sociedade, sem cair nas indevidas falácias.

A problemática da analise historiográfica é extensa, se mostrando exatamente como é mencionado por ‘Marc Bloch’ na obra “Lições de História” (2010), “...o historiador não observa diretamente os fatos que ele estuda...”, somando ainda o dizer de que “Ele somente os conhece através da narrativa dos homens que os observaram diretamente ou pelos indícios que eles deixaram.” (p. 448)

Também existem os documentos históricos que são mais instrutivos que outros, transparecendo o fator de as vezes serem produzidos por pessoas que não eram tão queridas pelos detentores de influências e poder, muitas vezes sofrendo com suas afirmações ou relatos que tentavam divulgar com obras diversas, causando desconforto em classes que eram contra ideias que abalavam a estrutura de sua ideologia dominante, fazendo com que recorressem para atos realmente sérios contra esses possíveis intelectuais, como aconteceu com as obras de Charles Darwin e de Nicolau Maquiavel, que ocasionaram uma ruptura de paradigmas que não se cogitava aplicar uma devida atenção.

Ocasionalmente pode-se ter aqueles que tiveram ideias um tanto revolucionaria, mas ao mesmo tempo com toques de extremismo e de simples procura de justificativas de seus próprios pensamentos, assim como no caso do personagem principal da obra de Carlo Ginzburg, O Queijo e os Vermes, que contém como personagem, Domenico Scandella, também chamado de Menocchio, este que questionou paradigmas do catolicismo, contrapondo as ideias da Inquisição, mas exacerbando escritos que ele havia lido, gerando contradição, incoerência e depois, punição.

Com todos estes parâmetros de comparação e analise, fica claro que a questão das classes não é algo simples e demanda árdua preparação e estudo para entender corretamente e completamente, mas não se pode relegar ao esquecimento o ponto que as relações sociais, a cultura adversa, a cultura mais elitista e até as convivências humanitárias entram em cena para ilustrar as classes e suas respectivas épocas, sendo elas fruto de seu tempo e espaço, não sendo totalmente possíveis em outros tempos.

As classes também podem ser bastante diferentes dependendo do meio em que estão inseridas, sendo estes os meios rurais e urbanos, onde ocorre uma certa dicotomia cultural que afeta bastantes a ascensão econômica, ocasionando a aparição de pessoas que se dão melhor em determinados ramos e que tentam novamente se impor acima dos outros, como os latifundiários que se apropriam de produções ou mesmo do mercado que o pequeno produtor tenta manter uma subsistência relativa para ele mesmo e para a sua família.

A classe acaba sendo um conceito bastante tendencioso e, por vezes, arbitrário para com o que os historiadores aplicam o mesmo, porque mesmo que o conceito de classes sociais tenha surgido após a Revolução Industrial ou até antes, todos os seres humanos estão ou estavam inseridos em algum tipo de sociedade, cada uma contendo divisões populacionais, com grupos distintos que as vezes se conflitam por parcelas de poderio. E novamente o termo também pode ocorrer de entrar em anacronismo, justamente por esta tendenciosidade discutida, onde intelectuais mais despreparados acabam optando por caminhos facilitados de estudos, mas não aprendem as nuances historiográficas que podem incutir erros grotescos em obras com muita potencialidade.

Quando uma classe tem um acumulo de poder e não possui muita influência, o perigo acaba surgindo, pois estes podem tentar tomar um lugar social de maneira bruta, começando um conflito entre margens poderosas que influenciam massas menos favorecidas para tomar partido em causas que podem não lhes trarão benefícios, somente esperanças vazias. Desta maneira podemos citar as ditaduras, que recorrem de o exército obter uma certa reivindicação para com as elites dos lugares de sua ação, assim eles fazem alguma propaganda em meio a um povo que pode estar descontente pela sua situação, corroborando em apoio aos militares, algo que não cumpriu, em nenhum exemplo histórico, as expectativas da parcela pobre das pessoas, fazendo surgir problemas no meio civil que podem futuramente retornar para a situação anterior a todo este rebuliço político ou podem trazer melhores épocas, mas nada pode ser antecipado para saber seus efeitos.

Novamente alguns meios internacionais podem entrar em cena para modificar a balança estrutural mundial em favor de alguns, que podem ser que mantenham ideias nacionalistas, mas demonstram aparentar simplesmente elitistas ao extremo, sem muitos afãs amigáveis para com os grupos de outros países, algo elevado pelo viés ideológico, como é deixado a entender na obra Relações Internacionais da América Latina, de Amado Luiz Cervo (2001), onde percebemos o apoio do governo estadunidense para com as ditaduras em 1960 e 1970, tudo contra o dito comunismo, isto durante a Guerra Fria. (p. 144)

Desta maneira, o termo classe pode assumir diversos aspectos, com uma determinada multidisciplinaridade, mas de modo geral, o que fica mais evidenciado é seu uso por meio da Sociologia, em que se apresenta a palavra classe para designar diferenças dentro de uma mesma sociedade, seja por caráter do lugar onde se vive ou mesmo por questões econômicas. Isto então não foge do que discutisse aqui, com a classe sendo um meio de divisão populacional em grupos de interesses e condições diferentes, só se assemelhando entre seus iguais no mesmo agrupamento.

Com isto, os futuros historiadores tem que levar muito em conta toda a técnica acadêmica que permeia este ramo de estudos, tendo-se como objetivo primevo a reflexão para tudo que está documentado ou que está ocorrendo, mesmo que possa ter vários graus de importância, não decaindo na chamada manipulação documental ou na tramitação de notícias falsas que ocorreram e podem ainda acontecer, sendo algo estranhamente comum em campanhas políticas, principalmente quando se tenta rebaixar alguém para promover outra pessoa ao governo.

E nisto mais uma vez as classes assumem seu espaço, onde os representantes das classes desenvolvem uma rede de possíveis planos para influenciar o restante de seus grupos ou até outros, elegendo pessoas totalmente desqualificadas para algo tão sério como o trabalho governamental, tudo permeando interesses e favores para com uma minoria com ideias cristalizadas de bem maior, mas que na verdade só servem para elas mesmas e por um curto período, mostrando a verdadeira faceta ao longo dos anos, a exemplo de governos que ficam diversos anos no poder e não chegam a mudar a situação de sua nação para o bem estar social.

Então, mesmo como um conceito em constante mutação, as classes podem ser tidas como cisões em uma mesma sociedade, não sendo completamente igual em outros lugares que são movidos por ideologias diferentes, estes contendo suas próprias divisões sociais. Geralmente o papel de cada classe é quase preestabelecido, dependendo do nível econômico, modos de vivência ou mesmo até as culturas, ou seja, leva-se em preponderância uma gama de agentes sociais que estão inseridos em determinados processos e em suas temporalidades, construindo uma base para a disseminação de políticas, ideologias e afins, corroborando em uma humanidade muitas vezes desunida e desigual em diversos aspectos.

Ainda que tudo esteja dentro dos conformes, o historiador deveria ter como objetivo alcançar a todas as pessoas com o seu trabalho intelectual, mas as vezes acaba recaindo no problema dos demasiados academicismos que prejudicam o entendimento do público mais leigo, cooptando para a audiência de pessoas com maior poder de adquirir conhecimento, relegando aos mais pobres o mais básico e menos fundamentado. Valendo ressaltar que isto vem mudando conforme novas gerações de acadêmicos voltam suas preocupações para nuances como esta.

Cabe ao historiador manter um olhar meticuloso nesta questão classicista, não exprimindo o que foi dito algumas vezes aqui, ideias preestabelecidas sem embasamento plausível e com julgamento excessivo sem entender a contextualização histórica a qual podem estar inseridas as classes de determinadas épocas, levando em conta até o termo, pois as vezes podem não serem classes e sim estamentos ou outros tipos de denominações. Assim teremos uma história cada vez mais rica e interessante para as futuras gerações, sem perder o foco e a credibilidade tão requisitada para que as produções intelectuais cheguem ao público geral.


Considerações Finais
Com o presente trabalho de pesquisa concluísse que o trabalho de um historiador demanda muito preparo para efetivamente tratar da maneira correta a historiografia como um todo, onde as classes aparentam ocupar um lugar especial, pois é deste grupos que surgem as ideias e opiniões que fazem seus tempos mudar ou estagnar, podendo ser algo que leve a vários estudos assim que acontece ou ser alguma coisa que vai levar mais tempo até os estudiosos se interessarem, estes que podem encontrar os empecilhos de manipulação documental em suas futuras analises.

Desta maneira, os três autores escolhidos para se produzir esta analise são deveras essenciais, pois são pessoas com opiniões adversas e que produziram trabalhos diferentes, mas que com a devida atenção e esforço, se consegue retirar pontos em comum para construir o que se vê aqui neste artigo, pois o ponto de discussão as vezes fica nas entrelinhas e demanda uma comparação mais enfocada e até dificultada, onde nem sempre o que se quer está escancarado nas mais fáceis palavras de entendimento geral.

Na obra de Amado Luiz Cervo foi notado aspectos importantes de influência dos grupos ou classes nas relações internacionais; já no escrito de Marc Bloch, a visão que um historiador tem que ter foi devidamente ponderada para com os acontecimentos historiográficos; e ainda, com o que foi produzidos por Edward Palmer Thompson, temos um aprofundamento das questões sociais e das classes que a englobam, com atenção para a Inglaterra do século XVIII. Somando a isto, as obras A Era das Revoluções e A Era do Capital, de Eric Hobsbawn, deram uma boa sustância para a compreensão formação das sociedades modernas em seu caráter econômico, além de que a própria obra de Nicolau Maquiavel, O Príncipe, tenha esclarecido algumas perguntas do caráter político, e também se tenha o exemplo mencionado da obra O Queijo e os Vermes, de Carlo Ginzburg.

Enganasse quem pensa que tratar de classes seja algo simples e homogêneo independente da época, cada contextualização é primordial para entender por completo a historiografia, levando em conta quais correntes de pensamentos estavam permeando nestes tempos e a que nível os fatores políticos, religiosos, econômicos e ideológicos estavam enraizados nas sociedades, criando grupos diferentes de adeptos a uma linha de vivência que acabavam por excluir outros que não são de semelhantes aspectos, podendo gerar até conflitos de caráter nacional e internacional para impor suas vontades e exigências sob outras pessoas que mantinham ou mantem outras perspectivas.

Não deve ser entendido que o historiador não pode tomar partido em suas analises, aulas e entre outras coisas, mas ele deve estar ciente da grande maioria dos pontos de variados lados da história, sem julgar erroneamente e não cometendo o erro do anacronismo, onde ele as vezes pode olhar para o que aconteceu, aplicando valores que nem sequer tinham existência confirmada. Com esta compreensão, o que um historiador venha a produzir será cada vez mais vantajoso, pois exibira analises diferentes sob perspectivas novas que elevaram o conhecimento a novos patamares, quebrando até a barreira das classes, estas que não são imutáveis e estão propensas a influências diversas.


Referências
Autor: William Geovane Carlos.
Graduado em História pela Faculdade Santa Maria da Glória (SMG);
Especializado em Metodologia do Ensino de História pela Uniandrade;
Mestrando em História Política pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).

BLOCH, Marc. Como e por que Trabalha um Historiador. In: Jurandir Malerba, Org. Lições de História: Da história científica a crítica da razão metódica no limiar do século XX. Rio de Janeiro: Editora FGV, p. 446-461, 2010.

CERVO, Amado Luiz. Relações Internacionais da América Latina: Velhos e Novos Paradigmas. Brasília: IBRI, 2001.

GINZBURG, Carlos. O Queijo e os Vermes. São Paulo: Cia das Letras, 2006.

HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções. São Paulo: Paz e Terra, 2017.

HOBSBAWM, Eric J. A Era do Capital. São Paulos: Paz e Terra, 2017.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Jardim dos Livros, 2007.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Cortez Editora, 2007.

THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em Comum. São Paulo: Cia das Letras, 1998.

2 comentários:

  1. Parabéns pelo seu execelente trabalho, está muito bem feito espero que mais pessoas tenha a oportunidade de ver.

    Segundo, o que voce escreveu em diversos momentos históricos pode perceber que as classes sociais e tudo que gira em torno delas e visto por dois lados como certo errado, rico ou pobre entre outros... Gostaria de saber porque esses extremos ainda são os que mais causam as divisões na sociedade???
    - Luana Patricia Pereira

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  2. Olá William Geovane Carlos,
    Parabéns pela sua iniciativa em discutir uma categoria tão importante para os tempos atuais. Tenho duas questões a fazer a você: a primeira: em seu texto você aponta o aparato político como instrumento teatral nas diferentes classes. Assim, gostaria que você explicasse o sentido desta análise de modo que entendo o aparato político como instrumento de dominação de classe e não como representação. Segunda questão: quando você afirma que "a indagação que sempre se apresenta é se aquilo é verídico ou manipulado por alguém que seja simpático aos comandos vigentes" qual a sua concepção da relação entre História e verdade?

    Abraço.

    Werbeth Belo

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