Jeremyas Machado Silva


O CONSUMO DA FAIANÇA FINA: UM DIÁLOGO ENTRE ARQUEOLOGIA E SEMIÓTICA

 

A sociedade ocidental reconhece há algum tempo a existência de um intenso consumo e demasiados fluxos ideológicos que professam ritos, valores e significados ligados aos objetos. Entende-se que, através das coisas materiais, ou ainda, da observação da ampla utilização das mesmas, torna-se possível abrir oportunidades para iniciar a compreensão da nossa própria humanidade. Desse modo, após a percepção de uma extensa possibilidade documental, a cultura material tem sido estudada e vem representando uma valiosa fonte de saber histórico. Sendo assim, sobre a influência da Escola dos Annales, o antigo estilo positivista que fundamenta a veracidade dos fatos históricos somente em documentos escritos e oficiais passou a coexistir com a aceitação de que as fontes históricas são múltiplas. Estas podem ser, por exemplo, fotografias, correspondências, jornais, relatos orais, objetos, artefatos, entre outras.

Considerando um universo de possibilidades na investigação histórica e na escolha das fontes, diversos autores dedicaram-se a pesquisas que revelassem o quanto o estudo do consumo esclarece dúvidas sobre o comportamento social, desenhando desse modo, as relações sociais, os hábitos e princípios éticos dos indivíduos. Refere-se como importantes exemplos, os trabalhos publicados por Douglas e Isherwood (1979), Bourdieu (1984), Appadurai (1986), Miller (1987), McCracken (1988) e Glassie (1999).

Para Mary Douglas e Isherwood, o consumo é estudado por meio de inferências antropológicas e entendido como um fenômeno cultural que aclara a sociedade. Além disso, é abandonada a compreensão dos objetos essencialmente por atribuições de ordens funcionais ou práticas. Desse modo, é ingênuo e não se ajusta a esta situação imaginar, por exemplo, que um Romanée-Conti servido em um cálice de cristal fino não carregue em sua materialidade nenhum denodo simbólico. O mesmo objeto, não pode ser esgotado de valores, pois ostenta distintos significados, sendo que estes sentidos podem estar intrínsecos a sua própria origem que remonta ao século III, como também, ao seu apurado sabor ou ainda o seu valor no mercado internacional. De qualquer forma, de acordo com este pensamento, torna-se possível a leitura das substâncias ou dos objetos como se estes comunicassem como textos e expressassem múltiplas relações ou significados sociais. Conforme Miller (2007, p.44):

“Influenciado pela ascensão do estruturalismo (Lévi-Straus 1972) e pela aplicação da semiótica às mercadorias (Barthes, 1973), o estudo do consumo foi revolucionado por dois livros publicados em 1979. Douglas (Douglas e Isherwood, 1979) advogou uma abordagem dos bens como um sistema de comunicação numa analogia com a linguagem (mas em aspectos críticos também distintos dela). Uma vez que os bens de consumo são pensados como um sistema simbólico, isso abre a possibilidade para de algumas formas “ler” a própria sociedade através do padrão formado entre os bens.”
No trabalho de Mary Douglas o consumo e a cultura material são percebidos como sistemas de comunicação. Suas pesquisas revolucionaram estes campos de estudo e contribuíram à arqueologia desenvolvendo metodologias que alcançassem uma melhor compreensão dos simbolismos presentes nos objetos. Analisando as evidências arqueológicas e buscando compreender o que estas representavam aos grupos sociais as quais pertenciam é possível perceber uma linguagem simbólica envolvendo objetos.

Esta linguagem simbólica era empregada às mercadorias que circulavam no comércio de Uruguaiana e o consumo de produtos importados da Europa oferecia àquela sociedade a qualidade do modo de vida europeu, ou melhor, a possibilidade de imitá-lo (Zimmerman, 1907). A cultura material é uma linguagem simbólica, conforme Hilbert (2009, p.16), “pesquisas recentes sobre cultura material valorizam os significados das coisas e partem da ideia de que podem ser vistos como signos que auxiliam seus donos e usuários na comunicação entre pessoas, além de expressar suas identidades”.

Segundo os estudos de Bourdieu (1984), também se entende, que existe uma possibilidade de compreensão das classes ou grupos sociais por meio dos objetos. No pensamento do autor, os objetos são compreendidos como bens simbólicos, através dos quais, a sociedade pode comunicar os seus valores e ideias. É ainda provável a concepção de um “espaço de relações” perfazendo e multiplicando os valores ou ideais próprios pertencentes a uma sociedade. É importante para a interpretação da cultura material e dos signos que os objetos carregam compreender-se também o espaço que estes ocupam. Não simplesmente um espaço físico qualquer, mas um espaço social constituído por pessoas distintas, por diferentes classes, e por fim, com diferentes costumes e crenças como na fronteira.

De acordo com Lefebvre (1974), igualmente fica claro, que um espaço é percebido como resultado das relações contidas na sociedade. Este espaço interatua com a mesma, oportunizando e concebendo o relacionamento social.  Por isso, toma-se neste trabalho, o conceito já mencionado anteriormente, dado por Bourdieu sobre o “espaço de relações” para que se possa atingir uma proximidade de compreensão sobre as interações sociais advindas do consumo das importações na fronteira oeste do Rio Grande do Sul. Segundo Bourdieu (1992, p.137):

“O que existe, é um “espaço de relações” o qual é tão real como um espaço geográfico, no qual as mudanças de lugar se pagam em trabalho, em esforços e, sobretudo em tempo (ir de baixo para cima é guindar-se, trepar e trazer as marcas, ou estigmas desse esforço). Também as distâncias medem nele em tempo (de ascensão ou de reconversão, por exemplo). É a probabilidade da mobilização em movimentos organizados, dotados de um aparelho e de porta-voz (precisamente aquilo que leva a falar de classe) será inversamente proporcional ao afastamento nesse espaço.”

Na antropologia social Appadurai estuda os significados culturais dos objetos e estes, encontram-se presentes nas esferas de produção e consumo das mercadorias. Desse modo, a aplicação da técnica na indústria também visa atender as necessidades simbólicas ou ritualísticas da sociedade consumidora, pois a aplicação da técnica nos bens de consumo está amarrada nas tendências da moda ou no uso figurado dos objetos. Em sua obra, Appadurai faz referência aos estudos do antropólogo Brian Spooner, sobre a representação simbólica dos objetos. Conforme Appadurai (1986, p. 06):

“Com isso em mente, é possível colocar o lado do consumo do processo que Spooner observou no contexto que Baudrillard viu como a emergência do objeto, isto é, uma coisa que já não é apenas um produto ou uma mercadoria, mas essencialmente um signo em um sistema de signos de status. Objetos, na visão de Baudrillard, emergem inteiramente somente neste século no Ocidente moderno, no contexto das formulações teóricas de Bauhaus (Baudrillard, 1981:185), embora tenha sido recentemente demonstrado que o surgimento de objetos na cultura europeia pode ser rastreado pelo menos ao Renascimento (Mukerji, 1983). A moda é o meio cultural em que os objetos, no sentido de Baudrillard, se movimentam.”

O consumo deve ser percebido como um meio de exibição social. Nem sempre o consumo de um produto suprirá somente necessidades práticas, mas, além disso, ele poderá estar preenchendo lacunas nas formas de relacionamentos sociais e servir como meio de comunicação e afirmação de identidade. Quando entendemos este processo percebe-se que, quando a sociedade consome um determinado objeto ela está também consumindo valores. Assim, a humanidade se inventa através dos objetos e do consumo, pois estes estão carregados de múltiplos valores que estabelecem e compõem a vida social. Segundo Veblen (1983, p.38):

“Para o homem ocioso, o consumo conspícuo de bens valiosos é um instrumento de respeitabilidade. À medida que acumula riqueza, ele é incapaz, sozinho, de demonstrar a própria opulência. Recorre, por isso, ao auxílio de amigos e rivais, dando-lhes presentes valiosos e convidando-os para festas e divertimentos dispendiosos. É verdade que as festas e os divertimentos se originaram, provavelmente, no simples sentimento ingênuo de ostentação, bem cedo, todavia, adquiriram aquela utilidade de consumo conspícuo, retendo até hoje esse caráter, assim, essa utilidade há muito é o fundamento substancial do seu uso.”

As relações que as pessoas mantêm com os objetos, e de que modo estes, de certa forma, induzem o comportamento humano, é também, uma questão examinada de perto através da arqueologia e da antropologia por Daniel Miller. Conforme o diagnóstico de Duarte (2002), da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal, Daniel Miller entende o consumo como uma construção cultural dos indivíduos e não, exclusivamente, como uma implicação do sistema capitalista. Assim, antes de qualquer análise, adota-se como nosso suporte inicial, o fato de que o ser humano não existe e não pode ser compreendido fora da cultura. Daniel Miller pensa a construção de um sentido para o consumo e a significação das coisas materiais, deste modo, procura em Hegel entender como a sociedade se organiza através dos objetos. Conforme Duarte (2002, p. 368):

“Do esquema progressivo de Hegel, Miller abstrai o seu conceito de objetificação, entendido como um processo dinâmico pelo qual um dado sujeito se desenvolve através da sua projeção num mundo externo e da subsequente reapropriação dessa projeção. O sujeito em questão pode ser entendido como uma sociedade que é concebida como progredindo através da criação de formas externas diversas. Estas podem incluir a linguagem, a cultura material, os sonhos individuais, as grandes instituições ou conceitos, como nação, estado ou religião. São formas geradas na história e dentro de um determinado contexto no qual a sociedade opera. Temos, então, que a cultura material contemporânea, na sua panóplia diversificada de itens, constitui uma forma particular de externalização da sociedade industrial. Importa agora que o processo de objetificação não fique pela metade, ou seja, que o mundo de objetos criados pela sociedade não se transforme em algo abstrato e separado dela, mas que pelo contrário, a sociedade consiga reapropriar-se da cultura que produziu e, assim, se possa desenvolver. O consumo de massa é o meio pelo qual a sociedade industrial pode realizar essa reapropriação da cultura material que é uma parte significativa da sua cultura.”
A cultura material é entendida como uma projeção do imaterial, ou seja, dos valores, das crenças, das aspirações e das representações. Quando um objeto é significado, ocorre então, o surgimento da experiência humana, o que podemos chamar de cultura. É por isso, que o ser humano não existe fora da cultura, pois as pessoas atribuem sentidos e significados a uma amplidão de objetos, substâncias, sons, lugares ou acontecimentos. Se apropriar, significar e valer-se de um objeto, por exemplo, encontra-se na parte de um todo, o consumo.

Para Miller (2007, p.34); “consumir algo é usar algo, na realidade, destruir a própria cultura material”. O importante é nos darmos conta, que é através do consumo, que os indivíduos estabelecem as relações sociais. Os bens de consumo formam ligaduras que conectam a sociedade por meio de diversos signos, expressam os valores, a moda, a tecnologia, e múltiplas formas que são todas postas como diferentes linguagens que montam uma grande rede de comunicações simbólicas, e tudo isso envolve os objetos. De acordo com Hilbert (2009, p. 15) “fica evidente, pela experiência em sala de aula, que arqueólogos transformam coisas em palavras, dão nomes às coisas, usando palavras e, por meio dessas palavras, fazem arqueologia”.

Conforme com o pensamento de Lévi-Strauss (1987) é possível compreender que um grupo não pode propriamente ser definido, e que talvez por este motivo, o autor compara o estudo destes elementos formadores da estrutura das sociedades a linguística, onde cada sílaba é formadora de uma palavra, uma estrutura. Por meio desta reflexão, relaciona-se o caso ao estudo da cerâmica europeia, onde a combinação dos objetos pode obter diversas representações dentro de um contexto, como a combinação de sílabas forma uma palavra, ou seja, um signo.
 
A cultura material transporta mensagens, torna-se comunicação e pode ser percebida como um índice de relações sociais. Conforme Grant McCraken que estuda o marketing e o consumo e o distingue como um agente transformador da sociedade ocidental no final do século dezesseis houve um grande aumento na produção e demanda de novos produtos para o mercado. Isto fez com que, no século dezenove, a sociedade passasse ainda por distintas mudanças de hábitos culturais que possuíam fortes relações com a industrialização. Segundo McCraken (2003, p. 43):

“Por volta do século XIX, consumo e sociedade, estavam inextricavelmente ligados em um contínuo processo de mudanças. Não houve, portanto, nenhum ‘boom de consumo’ no século XIX, porque havia agora uma relação dinâmica, contínua e permanente entre mudanças no consumo e as sociais, as quais, juntas, conduziam a perpétua transformação do ocidente. Algumas das mudanças deste período são essenciais para o nosso entendimento do moderno caráter do consumo. Tais mudanças incluem a emergência da loja de departamento, que contribuiu de modo fundamental para a natureza da informação e da influência às quais estava submetido o consumidor. O século XIX viu também o surgimento de ‘novos estilos de vida de consumo’ e de seus respectivos novos padrões de interação entre pessoas e coisas. Surgiram novas técnicas de marketing, tais como o emprego de novas estéticas e de motivos culturais e sexuais arquitetados para adicionar valor aos produtos.”

Observa-se, portanto, não somente uma direção para os significados atribuídos às coisas, mas sim, variáveis sentidos. Não é apenas o senso comum que impõe significados aos objetos, mas em alguns casos os significados são postos nos bens materiais através do marketing. A propaganda comercial pode ser para a sociedade, tanto um agente influenciador ao ato de consumir, como também, um veículo de comunicação que expressa os próprios hábitos e os comportamentos da mesma. Toma-se, por exemplo, o anúncio de um produto publicado em um jornal do século XIX ou XX. Este agora, não serve mais para influenciar o consumo de tal produto, mas demonstra muito mais os hábitos e os valores da sociedade pertencente à época.

Estes mesmos valores, também se observa na arte, constituída e manifesta pela cultura material. Segundo Ralph Waldo Emerson, citado por (Glassie, 1999, p. 41), “a arte pode ser definida como: a mistura da natureza e da vontade. A arte de Emerson é exatamente cultura material, a união das coisas da mente e da matéria”. Percebe-se nos estudos de Henry Glassie sobre cultura material que muito se pode refletir sobre as manifestações e aspirações humanas transferidas aos objetos. Um dos exemplos citados pelo autor é o significado cultural do pote de chá japonês. De acordo com Glassie (1999, p. 42):

“Considere a maravilha do pote de chá japonês. É um objeto de argila, retirado da terra e ainda não significado. As impressões dos dedos do seu fabricante correm na espiral lenta da sua criação. No momento da umidade, quando estava na incerteza flexível, ainda permanece pouco firme na borda. As queimaduras relembram seu tempo no fogo quando veio a tornar-se firme. O esmalte que derreteu na flama parece destilado, empolado e fluido. As trações, finas paredes, e as formas eretas falam do esquema da mente do mestre. As rachaduras enchidas com ouro líquido sugerem a continuidade do trabalho e o cuidado. O vaso foi preenchido com líquido quente e passado de mão em mão, enchendo a palma, aquecendo as amizades, juntando as pessoas no convívio cerimonial. O pote de chá personifica uma relação com a natureza. Arranca um instante e o cristaliza numa experiência transitória. Materializa o desejo do seu fabricante por beleza, e guarda o uso, como uma ferramenta que desenvolve a afinidade social.”

Os estudos da cultura material e da arte estão estreitamente ligados, pois ambas as categorias, expressam, de certo modo, um imaginário que fora constituído, de forma particular ou coletiva. Este imaginário carrega em si próprio, por exemplo, lirismos, tendências de moda, crenças, hábitos, valores ou diferentes visões de mundo. Todas estas formas podem estar ligadas a um determinado grupo social e serem representadas em sua cultura material. Assim, quando outro grupo fizer uso destes mesmos objetos, seja por meio de trocas ou importações, poderá este outro grupo, apresentar variações em sua cultura. Isto ilustra o que ocorreu na sociedade Ibero-Americana do século XIX devido ao aumento das cidades portuárias, desenvolvimento das relações comercias e novas práticas de consumo, incluindo abundantemente os produtos derivados da Europa. A cultura material pode ser um elemento demonstrativo do imaginário de uma sociedade, segundo Silva (2009, p. 213):

“Imaginário significa o conjunto de imagens guardadas no inconsciente coletivo de uma sociedade ou de um grupo social; é o depósito de imagens de memória e imaginação. Ele abarca todas as representações de uma sociedade, toda a experiência humana, coletiva ou individual: as ideias sobre a morte, sobre o futuro, sobre o corpo. Para Gilbert Durant, é um museu mental no qual estão todas as imagens passadas, presentes e as que ainda serão produzidas por dada sociedade. O imaginário é parte do mundo real, do cotidiano, não é algo independente. Na verdade ele diz respeito às formas de viver e de pensar de uma sociedade. As imagens que o constituem não são iconográficas, ou seja, não são fotos, filmes, imagens concretas, mas sim figuras de memória, imagens mentais que representam as coisas que temos em nosso cotidiano.”


No mesmo contexto das mudanças culturais na América, a Europa também permanecia sofrendo mudanças na esfera cultural. Conforme os estudos de Hobsbawn naquele continente a burguesia passou a consumir e a valorizar muito mais a arte durante o século dezenove. A sociedade burguesa europeia adquiriu diversas obras incluindo, pinturas, livros, esculturas, quadros, ingressos para teatros e musicais. Este interesse pela arte também está claramente refletido na cerâmica.

Na Europa do século XIX, quando para os ingleses era considerada importante a cerimônia do chá, a cerâmica conhecida como faiança-fina, por exemplo, foi muito utilizada no continente europeu e estava perfeitamente harmonizada com o cenário burguês. Durante os seus diversos períodos de fabricação, partindo do final do século XVIII ao início do século XX, a faiança fina europeia passou por diversas transformações em seu modo de produção. Neste processo, ganhou o emprego de diferentes tecnologias na constituição da sua pasta e seu esmalte, e obteve variadas técnicas na aplicação de estilos e padrões de decoração.



Fonte: O autor.

Sobre a cerâmica foi possível aplicar formas decorativas e artísticas, pinturas, transferências de imagens, relevos e carimbos, processos que, ao longo dos anos foram ganhando características singulares conforme o aperfeiçoamento da indústria. Desta forma, com o emprego e a valorização da arte nas peças, esta louça tomou o cenário burguês ganhando além da sua posição prática e funcional, uma conotação simbólica de status. Devido às relações de exportações e importações destes produtos a cerâmica obteve muitas conotações simbólicas para outros grupos sociais em desenvolvimento urbano, como por exemplo, Uruguaiana no século XIX (Cidade localizada na fronteira oeste do Estado do Rio Grande do Sul. Emancipada do município de Alegrete em 24 de abril de 1847).

É importante deixar claro que, no atual estudo, o consumo é observado por meio de uma análise cultural. Sendo assim, é possível compreender a sua prática orientada por fatores simbólicos, desprendidos de análises genuinamente econômicas que possam percebê-lo somente como um advento do capitalismo, insustentável e prejudicial à humanidade.

Os estudos semióticos na arqueologia

A semiótica é a ciência que estuda os signos e percebe os mesmos como meios de linguagem. Segundo Netto (1990, p. 20) “Pode-se dizer que signo é tudo aquilo que representa outra coisa, ou melhor, na descrição de Charles Sanders Peirce é algo que está no lugar de outra coisa”. De acordo com a dicotomia de Ferdinand de Saussure um signo é constituído por um significante, estrutura sólida que sobrecarrega uma ação e um significado, que resume um sentido tornando-se uma representação.

 

De modo distinto, na tricotomia semiótica de Charles Sanders Peirce, surgem unidas ao signo as representações: ícone, índice e símbolo. O ícone possui analogia com o elemento que representa, por exemplo, uma escultura indígena. O índice representa o próprio objeto ou fenômeno analisado ou significado, por exemplo, nuvens escuras tornam-se um índice de chuva. O símbolo variavelmente ao ícone ou índice não expressa uma ligação tão combinada ao objeto, ele precisa comunicar de uma forma muito clara e compreensível, por exemplo, a cor vermelha do semáforo, ela significa ou informa que é preciso parar imediatamente o veículo.

 

No estudo dos signos, da semiótica, pode ser incluída a pesquisa arqueológica, pois a arqueologia estuda a cultura material e seus significados. Os objetos revelam interações sociais, informações e são grandes agentes comunicadores, bem como textos ou outras formas de linguagem. De acordo com Barthes nota-se nas relações simbólicas da sociedade os termos de significante, significado e signo e, tudo isso poderá ser conexo aos objetos.

 

No pensamento de Barthes existe coerência e a sua percepção pode ser associada ao significado dos objetos de cerâmica. Um destes pontos considerados interessante é o que remonta a linguagem e o simbólico. Compreende-se que objetos de cerâmica possam indicar o status de um grupo ou representar na sociedade da fronteira, os valores e a moda europeia. Portanto, o exemplo dado por Barthes, quando ele nos demonstra em seu trabalho como se percebem nas relações simbólicas da sociedade os termos de significante, significado e signo. Conforme Barthes (2001, p. 135):

“Tomemos um ramo de rosas: faço-o significar a minha paixão. Não existem apenas aqui um significante e um significado, as rosas e a minha paixão? Nem se quer isso: pra dizer a verdade, só existem rosas “passionalizadas”. Mas, no plano da análise, estamos perante três termos, pois estas rosas carregadas de paixão deixam-se perfeita e adequadamente decompor em rosas e em paixão. Esta e aquelas existiam antes de se juntarem e formarem este terceiro, que é o signo.  Do mesmo modo que, no plano da experiência, do vivido, não posso dissociar as rosas da mensagem que transportam, assim no plano da análise não posso confundir as rosas como significante e as rosas como signo: O significante é vazio, o signo é pleno, é um sentido.”

São muito recentes os estudos que aplicam a semiótica à arqueologia baseados inicialmente de acordo com Preucel (apud BARS, 2010, p.22), “em conceitos do estruturalismo desenvolvidos nos trabalhos de arqueólogos como André Leroi-Gourhan, Annette Laming-Emperàire e James Deetz”. Atualmente, a obra de Robert Preucel, Archaeological Semiotics (2006), é um dos mais completos estudos realizados na área. A semiótica permite ao pesquisador emitir um diagnóstico do caso estudado, examinando os elementos simbólicos ou representativos dos artefatos, o arranjo espacial em que se encontram no contexto arqueológico ou o modo em que o próprio sítio está apresentado e sistematizado funcionalmente ou simbolicamente em determinado espaço social. Conforme Bars (2010, p. 22):

 

“De forma geral, o fato de a semiótica não ser relacionada como ferramenta metodológica por muitos arqueólogos não implica na inadequação da metodologia em si, mas sim, no fato de que muitos a consideram “complexa” e por demais “filosófica”, e não compreendem como ela poderia ser aplicada no estudo da cultura material de forma clara. Outro fator citado por Preucel seria o de que a semiótica, de forma geral, tende a tratar a cultura material, ou a iconografia, como um “texto”, fato que incomoda muitos arqueólogos processualistas, como Binford.”

 

À cultura material é aplicada a leitura dos seus indícios e significados, tenham sido os objetos encontrados nas análises realizadas arqueologicamente, ou não. O mesmo se dá ao sítio arqueológico. Qualquer que seja a forma da cultura material, esta não pode ser compreendida isolada das representações ou relações sociais e culturais. De acordo com Preucel (apud Bars, 2010, p.23), “a arqueologia em si já seria um ato semiótico, pois necessariamente tem que manter conectados todos os elos que fazem permanecer unidos a teoria, os dados e as práticas sociais na busca dos significados”.

Referências
Jeremyas Machado Silva é Doutorando em História pela Universidade de Passo Fundo, professor nas Faculdades Integradas Machado de Assis e Instituto Educacional Dom Bosco – Santa Rosa – RS.

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Um comentário:

  1. Olá Jeremyas, achei bem interessante seu trabalho e importante fazer essa ponte entre a história do cotidiano vista pela cultura material. Acredito que você tenha uma amostragem mais ampla dos padrões decorativos, o que te permite uma percepção maior sobre o produto que era consumido por esta população em específico. Então, eu gostaria de saber se na sua pesquisa você já identificou quem era essa classe abastada consumidora dessa faiança, ou se foi possível traçar uma rota de comércio para esses produtos?
    Parabéns pelo trabalho!
    Cláudia Cristina do Lago Borges

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