Música e
Ensino de História: algumas considerações teóricas e conceituais
A palavra música tem sua origem no termo grego mousiké, que tem como
significado a arte das musas.
Conceitualmente, entende-se por música a
arte de organizar sensível e logicamente uma combinação de sons e silêncios, de
forma harmônica e coerente. Nesse sentido, ela se fundamenta em três
princípios básicos: a melodia, a harmonia e o ritmo. A música constitui-se em
um produto cultural significativo das sociedades humanas e manifestação
artística capaz de suscitar múltiplas experiências extáticas, cognitivas e
emocionais ao ouvinte. Também pode ser considerada como um estímulo no campo
perceptivo humano, pois pode assumir várias funções, como é o caso do
entretenimento, da comunicação ou do direcionamento psicossocial e ideológico. Neste prisma,
Kátia Abud e Raquel Gleizer apontam para a importância e influência da música
no ambiente social, ao asseverar que ela
“[...] representa modos de ver o mundo, fatos que acontecem
na vida cotidiana, expressa indignação, revolta, resistência, e mesmo que tenha
um tema específico, ela traz informações sobre um conjunto de elementos que
indiretamente participam da trama. No Brasil, a música popular é especialmente
importante porque, para a maioria da população, as formas de comunicação oral
são muito mais fortes que a escrita” (ABUD; GLEIZER, 2004, p. 59).
A História, por seu turno, contempla, dentre seus objetivos
centrais, perceber a ação humana no tempo e no espaço, compreendendo sua
complexidade, suas continuidades, suas rupturas, coerências e incongruências.
E, para poder efetivar tal desejo, aqueles que se dedicam a esse campo da
ciência devem contemplar, criticamente, as mais variadas formas de expressão e criação
dos grupos sociais. Não se trata de contemplação meramente dita, mas de uma
qualificada prospecção, adentrando criteriosamente nas múltiplas dimensões e
interpretações acerca do desenvolvimento humano e de sua atuação no mundo, seja
no passado, seja no presente. Diante do exposto, não há como se apreender uma
sociedade sem alargar o panorama de espaços, fontes e possibilidades
interpretativas. E a música, enquanto modo cultural de produção e
representação, é um destes elementos salutares.
Neste sentido, queremos trazer algumas questões de cunho
teórico e conceitual, que se refletem de forma nítida na aplicação prática no
ambiente escolar. O primeiro ponto está vinculado ao ambiente no qual a
atividade envolvendo História e música será realizada. É fundamental um
conhecimento prévio, por parte do docente, da realidade cultural e social na
qual seus alunos e alunas estão imersos. Somente assim será possível
estabelecer conexões e diálogos, evitando uma mera exposição auditiva, sem
assimilação por parte dos estudantes e sem compreensão do que se pretende
através daquela didática. Precisamos ter delineado que, na perspectiva de
mudanças geracionais e de interação entre essas diferentes gerações, os códigos
culturais e as linguagens passam por transformações, sobretudo em tempos de
informação instantânea e globalizada. E é preciso lembrar que a música também é
uma forma de linguagem e sofre influências, assim como é influenciadora. Deste
modo,
“[...] devemos expor o jovem à linguagem musical de forma a
criar um espaço de diálogo a respeito de música e por meio dela. Como acontece
com qualquer outra linguagem, cada povo, grupo social ou indivíduo tem sua
expressão musical. Portanto, cabe ao professor, antes de transmitir sua própria
cultura musical (no caso, relacionada ao conhecimento histórico), pesquisar o
universo musical ao qual o jovem pertence e, daí, encorajar atividades
relacionadas com a descoberta e construção de novas formas de conhecimento por
meio da música” (ABUD; SILVA; ALVES, 2010, p. 61).
Outro tópico essencial está associado diametralmente com a
postura ética da atividade docente. Independente dos gostos musicais do
professor, ele deve estar atento e ser aberto aos padrões culturais de seus
alunos e alunas. Não se trata de se
deixar seduzir por esses gostos e expressões musicais, mas compreender que
são formas representativas da atualidade, fazendo parte do complexo tecido
sociocultural em que estamos envolvidos.
Visando contribuir para o estabelecimento de uma conexão
entre teoria e possibilidades práticas, apresentamos alguns caminhos que podem
ser seguidos, visando direcionar mais sistematicamente a utilização da música
nas aulas de História. Como afirmamos anteriormente, não se trata de um roteiro
estanque, mas de um modelo alternativo. Esse roteiro se fundamenta em sete tópicos:
1.
Definição do que é uma fonte histórica;
2.
Apresentar e explicar as diferentes
modalidades de fontes que são utilizadas, especialmente na atualidade, pelos
pesquisadores;
3.
Definir, mais detalhadamente com os estudantes,
o que significa uma fonte sonora, explicando que as músicas que os mesmos ouvem
também se tratam de fonte para se entender o presente e a relação com o
passado;
4.
Verificar quais são os tipos musicais
que fazem parte do cotidiano social e cultural dos estudantes;
5.
Estabelecer uma relação entre as
músicas que os alunos ouvem hoje em dia e canções do passado, dando maior
visibilidade para os temas que elas abordam e que podem ser trabalhados em sala
de aula (gênero, relações sociais, trabalho, violência, religiosidade, entre
outros);
6.
Com base nessa aproximação, incentivar
uma leitura, por parte dos estudantes, dos elementos de caráter histórico que
podem estar contidos nas canções, assim como a coleta de informações sobre
seu(s) intérprete(s), autor(es), período em que foi gravada, etc;
7.
E, por fim, avaliar junto com os alunos
de que maneira se pode interpretar a música como fonte histórica, assim como
ela pode ser influenciada e influências na sociedade, objetivando despertar uma
percepção crítica sobre as construções culturais, tanto do passado, mas
especialmente do tempo presente.
Chamamos a atenção para a necessidade de compreender a
música como uma fonte possível de múltiplas interpretações, não podendo ser
subjugada como uma expressão literal, especialmente no tocante à constituição
de sua letra. Em outras palavras, mesmo com um sentido aparente, ele pode estar
relacionada com outras visões e códigos estabelecidos por quem a compôs. Nas
palavras de Adalberto Paranhos,
“[...] quando não permanecemos reféns da mera literalidade
das letras das canções, aí sim estamos aptos a perceber que o significante não
se acha irremediavelmente comprometido com um significado único, esvaziado de
historicidade. Na perspectiva aqui adotada, uma canção está longe de reter um
sentido fixo, pré-fabricado ou predeterminado. Afinal, examinada
dialeticamente, a produção de sentidos, como parte de uma espécie de jogo
polissêmico, abriga múltiplas leituras possíveis, por mais ambíguas e
contraditórias que sejam. O sim pode transmutar-se em não, e vice-versa, ou em
talvez” (PARANHOS, 2006, p. 4830).
Este texto estabelece algumas percepções de caráter
conceitual em sua parte inicial, indicando também alguns procedimentos
metodológicos básicos para uma melhor exploração da música como recurso
didático nas aulas de História – e que podem possibilitar ações
interdisciplinares, como com a Geografia, Sociologia, Língua Portuguesa e
Inglesa, entre outras. Na segunda parte, buscamos demonstrar, de forma prática,
possibilidades de análise e interpretação crítica das canções, compreendendo-as
como produtos diretamente relacionados com o meio social na qual estão
inseridas. Mesmo que assumam, a posteriori, uma dimensão atemporal, elas são
frutos de um momento específico, de uma conjuntura própria, de uma visão de
mundo centrada em determinada realidade. Por conta disso, são fontes
riquíssimas para se compreender uma sociedade ao longo do tempo, com suas
continuidades, suas mudanças, suas aproximações e divergências.
Referências
Rodrigo Luis dos Santos é doutorando em História pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS (bolsista PROSUC/CAPES),
mestre e graduado em História pela mesma instituição. Email: rluis.historia@gmail.com.
ABUD, Kátia M.; SILVA, André Chaves de M.; ALVES, Ronaldo C.
Ensino de História. São Paulo: Cenage Learning, 2010.
_______; GLEIZER, Raquel. A música popular: resistência e
registro. In: História – módulo 4. Programa Pró‐Universitário
(Universidade de São Paulo e Secretaria de Educação do Estado de São Paulo).
São Paulo: Dreampix Comunicação, 2004.
PARANHOS, Adalberto. Ciladas da canção: usos da música na prática
educativa. Disponível em: www2.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/442AdalbertoParanhos.
pdf; Acesso em: 22 jan. 2018.
Qual gênero musical pode ser mais relacionado ao ensino de história e por que? levando em conta a letra e história da música.
ResponderExcluirAtt,
Kamily Alves
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirOlá Kamily, boa tarde
ResponderExcluirTudo bem?
Embora pareça uma generalização, mas qualquer estilo musical pode ser utilizado como um elemento para compreensão histórica. Isso se deve ao fato de que, por se tratar de um produto cultural e estar inserido em uma determinada conjuntura social, ela pode fornecer subsídios para se analisar aquela determinada realidade.
De forma geral, no caso brasileiro, os principais gêneros musicais utilizados são a música popular - Samba, Bossa Nova e MPB - e o rock. Mas essa instrumentalização pode ser alargada para outros gêneros, como o cancioneiro sertanejo (ou caipira), que expressa e representa aspectos de uma visão e participação sociocultural de um determinado grupo, geralmente a população mais humilde e interiorana, vinculada ao trabalho e vivência camponesa. Também as canções mais regionais, pois podem fornecer subsídios para se compreender as construções locais e regionais.
Enfim, buscando-se a qualificação teórica e metodológica, é possível que qualquer gênero musical possa ser utilizado como fonte histórica, pois a música, na grande maioria das vezes, é umbilicalmente vinculada com o meio sociocultural, político e econômico na qual seus agentes criativos - compositores, letristas, intérpretes, músicos, produtores, entre outros - estão inseridos.
Espero poder ter ajudado um pouco.
Abraço,
Rodrigo
Complementando a ideia anterior postada, utilizando exemplos. Se você analisar canções "gauchescas", como aquelas escritas por Teixeirinha, se tem uma determinada visão sobre o que era ser gaúcho. Especialmente a construção da figura masculina - homem valente (até mesmo violento), vinculado com suas raízes (mesmo estando na cidade), entre outras representações. No caso de canções caipiras ou do chamado "sertanejo raiz", muitas são narrativas de aspectos do cotidiano.
ExcluirVou usar o exemplo de uma canção, gravada no início dos anos 1990 (já na época do chamado "sertanejo romântico", que teve seu auge nessa década), pela dupla Chrystian e Ralf, chamada "Olhos de Luar". Em determinado trecho, os versos dizem o seguinte:
"Mas o orgulho do patrão ainda era mais forte
A honra se lava com sangue, uma jura de morte
O fruto desse amor não pode ver a luz do dia
À noite o som de um tiro e um corpo cai na terra fria"
Deste trecho, podemos identificar dois elementos sociais ainda presentes: o racismo e o patriarcalismo. O racismo representado pelas atitudes do patrão, que não aceita que sua filha tenha se envolvido com um empregado, ainda por cima mulato. E o patriarcalismo, acentuado pela determinação de que a filha não tenha o filho que espera - embora a letra não expresse claramente, podemos até deduzir que o pai determinou o aborto da filha.
A partir destes elementos, podem ser construídos, por exemplo, debates e perspectivas sobre estas questões sociais e suas permanências e implicâncias no passado e também no presente.
Aqui trouxe um caso em que se foge um pouco dos gêneros habitualmente utilizados para o procedimento de pesquisa histórica no campo da música.
Abraço,
Rodrigo
Olá!
ResponderExcluirParabenizo pelo trabalho de extrema importância e que, particularmente me interessou bastante. O meu comentário é mais uma narrativa pensante do que, propriamente uma indagação imposta. A música, em seu contexto global, caminha ao lado dos tempos históricos? Por exemplo, as letras feitas por compositores que vivenciavam determinados períodos são relacionadas com o contexto histórico? Ou, perceptivelmente, não é uma via de regra que podemos afirmar.
Grata pela atenção!
Anelisa Mota Gregoleti
Olá Anelisa
ExcluirTudo bem?
Acho importante tua contribuição. Sempre temos que levar em conta a subjetividade dos agentes envolvidos na criação de uma música.
Um compositor ou letrista pode usar de sua liberdade artística para abordar o tempo histórico ao qual está inserido, assim como para abordar outros momentos históricos passados. Ou ele pode utilizar de uma metáfora do passado para falar sobre o presente.
Exemplo: se você analisar a canção Metal contra as nuvens, lançada pela Legião Urbana no álbum V, de 1991, ela adota uma temática narrativa que realça o contexto do Período Medieval. Exemplo disso está na figura do cavaleiro enfrentando dragões - não apenas no sentido do ser mitológico, mas nas agruras da vida e da sociedade. Mas, ao utilizar desta representação imagética, Renato Russo falava sobre o momento brasileiro daquele início da década de 1990, marcado pelo governo Collor, crises econômicas e denúncias de corrupção.
Mas, ao mesmo tempo, alguns agentes da criação musical - compositores, letristas e intérpretes - podem conceber suas músicas de forma a não se conectarem - aparentemente - com sua realidade social. Exemplo disso estão em canções do período da Jovem Guarda e da década de 1970, onde em meio aos problemas sociais e políticos vigentes, alguns se destacaram pelas canções "românticas", de caráter "ingênuo" - ou não, pois muitos não quiseram "chamar a atenção" dos agentes do regime e se prejudicarem.
Por isso a análise da música como fonte de pesquisa histórica é complexa. Mas, ao mesmo tempo, um desafio muito interessante de ser empreendido.
Espero ter contribuído.
Abraço,
Rodrigo
Olá caro amigo Rodrigo!
ResponderExcluirNos encontramos neste espaço de conhecimento virtual.
Parabéns pelo tema abordado em seu trabalho.
Da leitura surgiu uma reflexão: muitas pessoas atualmente comentam que as músicas estão desqualificadas, que são isso ou aquilo, e concluem que antigamente as músicas não eram "melhores". Pergunta: seria possível realizar um trabalho com letras de músicas antigas (aceito sugestões) com as quais fosse possível desmistificar esta ideia de que antigamente eram letras "melhores", por exemplo, não ofendiam mulheres, não havia letra com duplo sentido, ou exaltação da vida desregrada entre outras?
Forte abraço.
Fabian Filatow.
Meu amigo Fabian... bom encontrá-lo por aqui!
ExcluirMúsicas ditas ruins e musicas boas existiram em diversas épocas.
Sobre o caso de canções que, dentro do seu contexto histórico - sociocultural e político -, possuíam um tom racista, por exemplo, encontramos algumas famosas canções carnavalescas, as marchinhas, como é o caso de "O teu cabelo não nega", com letra de Lamartine Babo e melodia original dos irmãos João e Raul Valença, que acaba assumindo essa conotação:
"O teu cabelo não nega mulata
porque és mulata na cor
mas como a cor não pega mulata
mulata eu quero o teu amor..."
Existe uma discussão em torno desta e de outras canções desse período, se eram efetivamente racistas ou não. De todo modo, elas ajudam a compreender o período - final dos anos 1920 e as duas décadas seguintes. Outras, também desse período, se enquadrariam - dentro de uma compreensão atual - em um discurso homofóbico, como é o caso de "Cabeleira do Zezé", de 1963, de João Roberto Kelly e Roberto Faissal. Embora os autores tenham dito, várias vezes, que a letra não tem uma intenção de preconceito, ela acaba se engendrando em um contexto conservador e de percepção contrário aos indivíduos que tinham uma normatividade sexual diferente daquela considerada a única possível.
"Olha a cabeleira do Zezé
Será que ele é?
Será que ele é?
Será que ele é bossa nova?
Será que ele é Maomé?
Parece que é transviado
Mas isso eu não sei se ele é"
Sobre letras de duplo sentido, temos, por exemplo, "Rock das Aranhas", de Raul Seixas e Cláudio Roberto, lançada em 1980, no álbum Abra-te Sésamo, de Raul (onde também está a música Aluga-se, de caráter mais político, dotada de tons irônicos, típicos das canções de Seixas).
Muito se comenta sobre a qualidade de canções do chamado Rock Brasil - ou BRock - dos anos 1980 e 1990, com canções de cunho politizado, escancarando as mazelas e as angústias de uma geração crescida durante a Ditadura, e que precisava "escancarar" certas visões de mundo - influenciados, por exemplo, pelo punk e pós-punk inglês daquele período. Nisso, listamos bandas como Legião Urbana, Plebe Rude, Titãs, Ira!... assim como letristas, especialmente Renato Russo e Cazuza.
Mas também haviam canções que transitavam entre a ironia ou um discurso sem pretensões mais significativas, como "Marylou" ("Eu tinha uma galinha que se chamava Marylou...", do Ultraje a Rigor, ou para o duplo sentido, como "Cobra Venenosa", de Leo Jaime:
"Eu sou uma cobra venenosa
Que pica, que pica..."
Dessa forma, podemos perceber que a "qualidade" e os discursos que hoje são dados para as canções atuais também estavam presentes em outros contextos históricos. Claro, temos que compreender as realidades e as complexidades de cada época, assim como entender que as sociedades humanas não são algo coeso, mas repletas de visões e modos de vida - mesmo quando existe uma tentativa de delimitar e ditar o modo de ser de uma sociedade.
Obrigado pelas tuas indagações, Fabian!
Grande abraço,
Rodrigo
Caro Rodrigo,
ExcluirAgradeço pelas sugestões e pela orientação no campo musical a ser pensado como fonte.
Forte abraço.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBoa tarde Rodrigo.
ResponderExcluirAno passado fiz um paper com o seguinte título: "A MPB como forma de contracultura e resistência política nos anos 60 e 70". A MPB, no período citado, percebo como um exemplo de abordagem para alunos do Ensino Médio. Tu me indicarias algumas fontes para utilizar em sala de aula, bem como exemplos de metodologia que poderiam ser usadas?
Davidson Santos de Melo.
Olá Davidson
ExcluirTudo bem contigo?
Vou comentar tua questão em duas parte...
Realmente os anos 1960 e 1970 fornecem um cenário bem interessante e frutífero, na esfera musical, para se analisar as conjunturas socioculturais, políticas e de mentalidades do período.
No caso brasileiro, a oposição ao modelo cultural vigente tem influências globais, como o movimento hippie, o movimento pelos direitos civis e contra as segregações raciais e sociais, além de releituras das próprias matizes culturais e musicais existentes no Brasil. Deste modo, surgem espaços de rompimento, como foi a Tropicália, a partir de 1968, com mudanças comportamentais e estéticas nos campos da música, cinema, artes plásticas e literaturas. Nomes como Caetano Veloso e Gilberto Gil estão intimamente ligados com essa vertente, além de outros artistas, como Gal Costa, Maria Bethânia, Nara Leão, Rogério Duprat, Tom Zé e Mutantes, que faziam a interação desse movimento com a sonoridade, a estética e o comportamento do rock. O rock brasileiro, que se formava nesse momento, especialmente com o advento da Jovem Guarda, assumia aqui, em linhas gerais, um certo modelo apolítico. Além de, musicalmente, ocorrerem muitas versões de músicas inglesas ou americanas – como canções de Elvis e The Beatles –, o conteúdo das letras era mais voltado para o romance ou certos comportamentos juvenis. Para muitos, a Jovem Guarda foi um momento de alienação diante do que vinha ocorrendo no Brasil desde 1964. Na Inglaterra e Estados Unidos, o rock passava a assumir um tom maior de rebeldia, questionamentos e politização, com o crescimento do sucesso de artistas como Bob Dylan e The Rolling Stones, com letras mais contundentes e atitudes mais “excêntricas”.
No Brasil, a partir da Tropicália e de outros artistas, como Chico Buarque, Geraldo Vandré, o pessoal de Minas Gerais, o chamado Clube da Esquina, a MPB e o rock passaram a receber uma interferência mais expressiva em sua mudança estética. Surgem, neste cenário, nomes como Elis Regina (já conhecida desde metade da década de 1960), Belchior e o Pessoal do Ceará (Fagner, Ednardo) e Raul Seixas, que mesclavam elementos musicais diversos. Nessa conjuntura, as mazelas daquele momento são retratadas ou de forma mais direta – com punições aos envolvidos – ou por meio de representações. É o caso da música Doce, Doce Amor, gravada pelo cantor Jerry Adriani em 1971. Em um dos versos, há o seguinte trecho: “Já andei por todos os lugares/Que antigamente ia te encontrar/E nas ruas que passava só lembrava você/Que foi embora sem me avisar”. O que aparentemente parece retratar o afastamento de um casal, na verdade retrata dois elementos graves daquele momento histórico brasileiro: a perda da liberdade e os desaparecidos políticos do regime. A letra e a música de Doce, Doce Amor foram compostas por Raul Seixas, que na época trabalhava como produtor musical na gravadora CBS, em parceria com Mauro Motta. Jerry Adriani, amigo pessoal de Raul Seixas, sabia da verdade sobre a canção e decidiu gravá-la. O Doce Amor do qual fala a música era a democracia brasileira.
Por outro lado, alguns artistas se alinharam em seus discursos com o regime sociopolítico brasileiro instalado desde 1964, ficando conhecidos por canções ufanistas, como é o caso da banda Os Incríveis e a dupla Don e Ravel.
No campo das metodologias, existem várias formas de se utilizar a música. O mais comum é o de se tentar “decifrar” as mensagens que estão contidas em sua letra. Mas, pela complexidade que está envolvida na produção e difusão musical, a análise deve ir para além dessa interpretação restrita ao tema e construção da letra – que pode ser o ponto inicial para esse aprofundamento. Resumidamente, a partir de uma música, é possível estabelecer uma ampliação do que ela quer dizer ou sobre o contexto de sua criação, mapeando, por exemplo: 1) autor(es); 2) interprete(s); 3) disco em que foi lançada; 4) quem fazia parte da rede social dos artistas envolvidos; 5) que alcance teve essa música (sua divulgação como se deu)... entre outros elementos, que ajudam a dar visibilidade para as pessoas envolvidas, o que permite compreender o sentido daquela canção e de que forma ela se conecta com aquele momento histórico.
ExcluirEspero ter ajudado um pouco.
Abraço,
Rodrigo
Obrigado Rodrigo! Ajudou muito.
ExcluirDavidson Santos de Melo.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBoa noite, professor!
ResponderExcluirParabenizo o senhor pelo ótimo trabalho!
Gostaria que destacasse, quais são, na sua opinião, os benefícios da música aliada ao ensino da História para os alunos e também para o professor (a)? Obrigada.
Oi Taísa, boa noite
ResponderExcluirTudo bem?
Existem diversos benefícios que podemos destacar. Um deles é o caráter interdisciplinar que este tipo de abordagem pode oferecer, pois estabelece relações com campos das Letras, da Literatura, da Geografia, das Artes. Vou trazer um exemplo de uma canção que permite relações entre História e Geografia através da música: em 1965, o cantor e compositor estadunidense Barry Mcguire gravou e lançou uma canção intitulada "Eve of Destruction". Em um dos trechos, está escrito o seguinte:
"O mundo oriental está explodindo
Violência eclodindo, balas carregando
Você é velho o suficiente para matar, mas não para votar
Você não acredita na guerra, o que é a arma que você está segurando?
E até o rio Jordão tem corpos flutuando,
Mas diga-me mais e mais e mais uma vez meu amigo..."
A partir desta canção, se podem construir questionamentos sobre sua mensagem: quais são os conflitos? O que gerou esses conflitos, guerras? qual o papel dos Estados Unidos, país de seu intérprete, nesse contexto? Quais são as relações históricas, geopolíticas e econômicas envolvidas? Este é um exemplo de múltiplas possibilidade no campo de interdisciplinariedade.
Outro ponto importante é uma variação no fluxo cotidiano da ação pedagógica, partindo de um modelo baseado em métodos expositivos - ou melhor dizendo, apenas alicerçado neste - e permite uma interação dos agentes envolvidos - alunos e professores - no processo de produção de conhecimento, a partir da pesquisa e análise.
Outro benefício é a possibilidade de compreensão cultural sobre as razões que, em cada período temporal e em diferentes recortes espaciais, determinados gêneros musicais e conteúdos ganham mais destaque. Com isso, eles percebem como existe uma influência para a geração destes produtos culturais, que ao mesmo tempo influenciam no dia a dia, na estética, no próprio modo de vida das sociedades. Também permite se trabalhar contra o preconceito cultural e a marginalização de gêneros musicais. Gostos diversos existem, mas é preciso uma compreensão para que se vincule e generalize o gosto musical de alguém com determinado estilo de comportamento - na maioria dos casos, refletindo preconceitos sociais, étnicos, religiosos, entre outros.
Enfim, estes são, dentro de minha perspectiva, alguns dos benefícios.
Espero ter contribuído, ao menos um pouco.
Abraço,
Rodrigo
Olá, professor!
ResponderExcluirAgradeço o seu retorno. Com certeza contribuiu.
Obrigada.
Atenciosamente, Taísa Wagner.