FOTOGRAFIA
E ENSINO DE HISTÓRIA: A ARTE DO IMIGRANTE HARUO OHARA EM LONDRINA-PR (1927-1999)
“Haruo
não parou mais de registrar imagens e fazer composições a partir do cotidiano
da família, sempre como fotógrafo amador. Como leitor voraz e autodidata,
tornou-se líder e conselheiro da colônia, que atravessaria momentos de grande
turbulência com as restrições estabelecidas aos japoneses, alemães e italianos
durante a Segunda Guerra. O governo resolveu desapropriar o lote n. 1, e a
família se mudou para um sobrado na cidade, onde, num quarto minúsculo, o
fotógrafo construiu seu laboratório. No lugar do lote, foi construído o
aeroporto de Londrina. Haruo passou a se dedicar à fotografia, associando-se,
em 1951, ao Foto Cine Clube de Londrina e ao Foto Cine Clube Bandeirante, de
São Paulo. Passou a percorrer salões de arte fotográfica em todo o Brasil,
chegando a enviar trabalhos para o exterior. Ganhou, assim, prêmios e menções
honrosas, como no 1º Salão Nacional de Arte Fotográfica da Biblioteca Municipal
de Londrina, no qual recebeu como prêmio uma câmera Voigländer Bessa. Possuía
duas dessas câmeras, bem como um par de Rolleiflex. Costumava sair pelos
arredores da cidade com outros amantes da fotografia para explorar os ambientes,
e assinava publicações técnicas nacionais e internacionais. Sempre fotografou o
entorno, sem pressa, mas com alguma preparação, anotando todo o processo em
seus diários. A família providenciava os modelos favoritos, o cotidiano
fornecia o cenário ideal e a luz adequada era procurada com obstinação e
meticulosidade. Sendo um fotógrafo das horas vagas, Haruo tinha o tempo a seu
favor. No final dos anos 1960, a esposa, Kô, foi acometida por uma doença rara,
diagnosticada como Miastenia gravis, que compromete os
músculos, mas preserva os movimentos. Haruo a fotografou, conseguindo tirar
dela uma placidez sorridente e inusitada. A arte do fotógrafo amador passou a
ser reconhecida nos jornais locais. Com a morte de Kô Ohara, em 1973, Haruo
entrou num pesado luto, do qual se recuperou cerca de um ano depois, com um
álbum de fotografias dedicado a cada um dos filhos, contando a história da
família e as particularidades do presenteado. Fotografando sempre em preto e
branco, de acordo com a luz do sol, no final dos anos 1970 passou a usar a cor.
Em 1979, a filha Kazuko morreu num acidente de automóvel, e a partir daí Haruo
desativou definitivamente o antigo laboratório. Sua fotografia nunca mais seria
a mesma. Por ocasião dos 80 anos da imigração japonesa no Brasil, no final dos
anos 1980, os trabalhos de Ohara obtiveram grande reconhecimento, assim como os
feitos pioneiros do artista. Mas, em 1992, ele parou de escrever os diários nos
quais relatava todo o processo de um trabalho que se alongava por quase 50 anos.
Em 1997, começou a sofrer do Mal de Alzheimer e, no ano seguinte, aconteceu a
sua primeira exposição individual, Olhares, na Casa de Cultura de Londrina,
sendo exibida depois, com grande repercussão, na 2ª Bienal Internacional de
Fotografia de Londrina. Aos 89 anos, 70 deles vividos no Brasil, Haruo Ohara
morreu em 25 de agosto de 1999. Em 2003, foi publicado o livro Lavrador
de Imagens: uma biografia de Haruo Ohara, escrito por Marcos Losnak
e Rogério Ivano. Cinco anos depois, a família doou todo o seu acervo ao
Instituto Moreira Salles, onde é tratado e preservado na Reserva Técnica
Fotográfica do Rio de Janeiro. No mesmo ano, o IMS iniciou uma mostra
itinerante com fotos em preto e branco produzidas por Ohara entre 1940 e 1970.
O acervo é composto por cerca de oito mil negativos em preto e branco, dez mil
negativos coloridos, dezenas de álbuns e centenas de fotografias de época, além
de equipamentos fotográficos, documentos pessoais, objetos, diários e livros. O
conjunto permite um estudo aprofundando da obra e do tempo de Haruo Ohara, o
imigrante e pequeno agricultor de Londrina que é considerado hoje um dos
fotógrafos mais expressivos do Brasil”. (Instituto Moreira Sales. Acesso em
28/08/2018 – 17:52h)
Figura 1
A fotografia,
enquanto recurso de documentação e registro da diversidade de práticas sociais
é cada vez mais presente na estrutura referencial do mundo contemporâneo. Sua
instrumentalização, mais ou menos sofisticada no que diz respeito a sua
manipulação técnica, com intenções artísticas, recreativas ou documentais
abrange setores de toda a produção humana.
A necessidade
de reflexão da teoria e prática pedagógicas ao pluralismo das formas de
consciência do tempo atual, colocam diante de professores e pesquisadores o
espectro do século XXI e suas peculiaridades, fazendo com que a categoria
busque identificar novos conceitos, novas práticas e possibilidades que possam
assim contribuir significativamente para o processo de ensino e aprendizagem.
A
Historiografia, bem como o ensino da História, busca também utilizar-se de tais
recursos para ampliar o campo de visão e possibilitar à pesquisa e ao ensino
referenciais que deixem de lado as transformações que se colocam diante de nós.
Portanto,
o trabalho aqui presente, pretende elucidar as razões e problemas que engendram
as relações entre a teoria e prática do ensino de História a partir da
instrumentalização dos recursos fotográficos enquanto instrumento documental e
de manifestação da percepção e sensibilidade humana, transformando a imagem em
algo que está para além do registro, mas que manifesta o potencial na natureza
do ser diante do mundo que o cerca.
A
fotografia, enquanto discurso histórico-social permite transformações
estruturais no processo de ensino e aprendizagem durante as aulas de História? Vejam:
“Talvez
uma de suas mais poderosas armas tenha sido aliar ao discurso plástico a
prática da documentação fotográfica, o registro dos acontecimentos e das obras
que se perderam no tempo e no local onde foram feitas. A arte descobriu que a
fotografia, ao invés de ser uma concorrente, poderia se tornar uma ferramenta
de grande valia em instalações, performances e/ou land art (arte de paisagem)”.
(Pileggi Sá, 2003)
Desta
forma, a utilização frequente da fotografia, desde fins do século XIX,
apresenta para a Arte uma nova possibilidade estética enquanto ferramenta de
manifestação e expressão humanas. Para a historiografia, por sua vez, uma
modalidade de registro e aparição de novas fontes de investigação, de tal modo
que cabe a partir disso, aos historiadores, tomar a existência do registro
fotográfico como pertinente à análise historiográfica, portanto passível de
interpretação a partir da utilização de metodologias e teorias específicas, não
encarando a imagem como detentora, portanto, de uma verdade inequívoca. Como
nos coloca Edward Carr, o historiador é
parte da História. O ponto da procissão em que ele se encontra determina seu
ângulo de visão sobre o passado. (Carr,1961)
Figura 2
Do ponto
de vista da percepção e utilização da imagem no ensino de História, a
fotografia assumiu, juntamente com outras modalidades e ferramentas oriundas da
inserção da tecnologia no processo de aprendizagem, um papel cotidiano na ação
da docência. O recurso visual está hoje presente e a recuperação dessa
categoria implica principalmente em um desafio para o historiador: “Considerando-se a fotografia como uma
construção social, pretende-se identificar os usos e funções sociais que lhe
foram atribuídos no universo escolar”. (Abdala,2013).
De que
maneira o uso das imagens contribui para o processo de ensino e aprendizagem?
Há resultados significativos quando nos dispomos de fotografias com conteúdo
histórico em sala de aula? A fotografia insere-se enquanto fonte histórica
pertinente para o aprendizado? O professor de História está apto ao uso de tais
ferramentas? Quais são as disciplinas e metodologias auxiliares ao
desenvolvimento do trabalho? São esses alguns dos questionamentos pertinentes a
investigação proposta pelo projeto em questão no que tange ao entrelaçamento
ente fotografia e educação. Por outro lado, a fotografia enquanto objeto e
discurso específico nos remete a reflexão do objeto em si e das relações para
com este estabelecidas:
“Hannah Arendt assinala que, para
Benjamin, o colecionador tem, em sua "atitude", algo do
revolucionário: "Colecionar é a redenção das coisas que complementa a
redenção do homem", uma vez que os objetos libertam-se do jugo de sua
utilidade. Ao comentar a declarada tentativa de Benjamin de "capturar o
retrato da história nas mais insignificantes representações da realidade, seus
fragmentos", chama a atenção para sua admiração por dois grãos de trigo
que integravam a seção judaica do Museu Cluny, "no qual uma alma piedosa
escreveu o Shemá Israel inteiro." Observa que, para ele, "quanto
menor o objeto, mais este lhe parecia capaz de conter, da forma mais
concentrada, tudo o mais." Algo do gênero deve passar-se com a fotografia
e sua pequena história. Toda a história, afinal, não seria necessariamente
maior que um ou dois grãos de trigo”. (LISSOVSKY,1995).
Desta
forma, a filósofa chama a atenção para a tentativa sensível de Walter Benjamin
em buscar capturar um fragmento histórico nessas então chamadas insignificantes
representações da realidade, como o frasco pequeno do perfume inebriante que
concentra o sopro da experiência humana.
“O
fotógrafo lê as imagens de sua autoria ao produzir, pelo registro fotográfico,
representações da realidade. Desse modo, antes de ler imagens fotográficas, ele
lê a realidade. Por outro lado, para ler a realidade ele precisa ter
sensibilizado seu olhar, lendo outros registros fotográficos. Além disso, essa
observação indica que o fotógrafo não produz registros simplesmente de modo
mecanizado, mas estuda a realidade e suas referências objetivas e subjetivas
antes de efetuá-los. Consciente ou não, esse processo está no cerne da
fotografia. Muitos autores, tais como Boris Kossoy, Miriam Moreira Leite,
Annateresa Fabris e Armando Martins de Barros, já mencionaram a ideia de uma
“alfabetização do olhar”. Ao propor uma análise das fotografias escolares, Rosa
Fátima de Souza também trata dessa questão e recorre a esses autores. (LISSOVSKY,1995).
A
pesquisadora Raquel Duarte Abdala, nos sugere dessa maneira, o referencial para
o que chamam alguns autores de “alfabetização do olhar”, ou ainda a
possibilidade de análise de imagens fotográficas a partir da construção de
padrões de representação social. A fotografia assume, desta maneira, um caráter
de suporte de memória e, consequentemente, dotado de um tipo específico de
narrativa e linguagem, capazes de serem lidas e compreendidas. Em sua Pequena
História da Fotografia, Walter Benjamin questiona o leitor: “Não se tornará a legenda a parte mais
essencial da fotografia? ”. Portanto, a leitura e questionamento
interpretativo da fotografia se faz na observação e desconstrução de tais
imagens.
Figura 3
Amparado
por tal suporte de pesquisa, a análise da obra de Haruo Ohara permite, a partir
de suas possibilidades de aplicação pedagógica, relacionar
seu acervo fotográfico a um ambiente de compreensão do fenômeno histórico e das
práticas sociais enquanto produtor de um discurso específico e da memória
coletiva. Segundo Ricardo Oria, “a
preocupação com a preservação da memória histórica é um fenômeno que vem
caracterizando um número considerável de instituições públicas ou privadas”. (ORIA,2004).
Do ponto
de vista da sala de aula, portanto, temos diante de nós uma importante
ferramenta de trabalho para a construção da memória.
Jacques
Le Goff nos atenta para a memória coletiva e sua forma científica, a História,
nas quais se aplicam dois tipos específicos de materiais: os monumentos e os
documentos. A fotografia, nesse sentido, possui um caráter documental, e se
constitui, portanto, como um monumento. (LE GOFF,2003).
Já Michel
Foucault, em sua análise arqueológica dos saberes, considera como arquivos o conjunto das práticas
discursivas, considerando a verdade como uma produção histórica: “O grande problema que se vai colocar não é
mais a tradição e o rastro, mas o recorte e o limite; não mais o fundamento que
se perpetua, e sim as transformações que valem como fundação e renovação dos
fundamentos”. (EIZIRIK,2002.) Assim,
a investigação arqueológica propõe a configuração histórica da verdade para que
sejam estabelecidos os limites de seus modos de produção em saberes atrelados
ao pensamento de uma determinada época.
Referências
Valdir Pimenta dos Santos Junior: Licenciatura e Bacharelado em História (2002-2005), Especialização em História Social (2006-2007), Mestrado em História Social (2007-2010). Atualmente sou doutorando no Programa de Educação e História. Toda a minha formação e atual doutoramento pela Universidade Estadual de Londrina-PR.
ABDALA,
Rachel Duarte. Fotografias escolares: práticas do olhar e representações
sociais nos álbuns fotográficos da Escola Caetano de Campos (1895-1966), tese
de doutorado, USP, 2013.
BENJAMIN,
Walter. Obras Escolhidas I. São Paulo: Brasiliense, 1985.
BITTENCOURT,
Circe (org.) O saber histórico na sala de aula / 9º ed. São Paulo: Contexto,
2004.
CARR,
Edward. Que é História? Comunicação feita na Universidade de Cambridge, 1961.
Instituto
Moreira Sales. Acesso em 28/08/2018 – 17:52h:
EIZIRIK,
Marisa Faermann. Michel Foucault: Um pensador do presente. Unijuí, 2002.
FOUCAULT,
Michel. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
LE GOFF.
Jacques. História e Memória. Unicamp. Campinas:2003.
LISSOVSKY,
Mauricio. A fotografia e a pequena História de Walter Benjamin. UFRJ, Rio de
Janeiro: 1995.
OHARA,
Haruo. Fotografias. Instituto Moreira Salles, 2008.
SÁ,
Rubens Pileggi. Alfabeto Visual, 2003.
Olá!
ResponderExcluirMuito Obrigado pelo texto!
gostaria de saber (pelo menos uma forma de) como poderíamos trabalhar os registros fotográficos em sala de aula, tais como; métodos; avaliação; objetivos; etc.
VICTOR LIMA CORRÊA