ENSINO DE HISTÓRIA
EM MUSEUS: OBJETOS COMO FONTES DE SABERES
O presente trabalho tem como objetivo
examinar a potência do ensino de história em espaços museais. Normalmente, os
professores de história levam seus alunos aos museus como espaços de
observação, onde os conteúdos expostos em sala de aula são ilustrados, por meio
de uma narrativa expositiva, construída através de imagens, sons, cores e
objetos. Todavia, apresentamos o museu como um lugar privilegiado para o desenvolvimento
de habilidades e competências, referentes aos saberes históricos.
Nos museus o público, escolar ou
espontâneo, aprende pelos sentidos. Na educação museal impera a ludicidade, não
sequencialidade, polifonia e provocação, museus são lugares de encantamento e,
por isso, não podem ser encarados com ingenuidade. Assim como a história é a
escrita da história (CERTEAU, 1982), sendo diretamente influenciada pelas
interpretações e fontes que remontam a sua construção, a expografia é fruto de
uma seleção, que tem por objetivo oferecer ao público determinada percepção da
realidade, carregada de silenciamentos e esquecimentos, em prol da evocação de
certas memórias.
Vivenciar uma experiência no museu requer
tempo, sensibilidade e intenção, por isso é significativo que os professores
tenham objetivos claros, pré-estabelecidos, para a visita, conjugados com a
coragem do desprendimento do controle dos saberes a serem aprendidos. A
educação pela sensibilidade é, também, a educação do destemor, do amor ao saber
e da profunda vontade de suscitar nos alunos a capacidade de elaborarem, a
partir de seus saberes espontâneos, seu próprio conhecimento. No sentido da
educação emancipadora, Larrosa Bondía (2002) exalta o conceito de experiência,
não como prática, mas como algo que nos acontece, que nos passa, demandando
atenção, entrega e presença.
“A experiência, a possibilidade de que algo
nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase
impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar,
parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais
devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes,
suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo
da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar
sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a
arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço”. (BONDÍA,
2002, p. 24).
Um dos desafios contemporâneos do ensino de
história reside na ideia da disciplina como um conjunto de saberes que dizem
respeito ao passado, sem valor para o presente, formada por uma massa de
informações que não precisam ser problematizadas, por estarem teoricamente
disponíveis em suportes externos. Nesse sentido, o professor de história seria
um depósito de saberes sobre o passado, fadado a inutilidade. Contudo, os
docentes não devem primar pela transmissão de saberes históricos, e sim por
estimular seus alunos a pensarem historicamente. A autora Mariana Muaze (2015,
p.228) defende que:
“A partir da leitura dos textos
historiográficos, das relações com diversos produtos culturais, dos saberes
acumulados, das experiências compartilhadas com outros colegas, o professor é
autor de uma interpretação histórica completamente original, que é
permanentemente submetida à interação com os alunos e, desse processo, surgem
novas possibilidades. Por meio dessa dinâmica nasce a “aula como texto”, um
momento único, onde um dado conhecimento é gestado, a um só tempo, como criação
individual e coletiva”.
Sendo assim, defendemos uma educação
dialógica, seja em espaços de ensino formais ou não formais, na qual o aluno e
o professor tenham protagonismo na relação ensino-aprendizagem. Lembramos que os
processos de ensino e aprendizagem não são indissociáveis, uma vez que o aluno
pode aprender além do que é ensinado. Silvio Gallo (2012) destaca que o aluno
pode compreender o que o professor não tinha a intenção de ensinar. Escapando a
práticas de educação bancária, entendemos a formação como um produto de
relações e trocas, que não são controladas, mas sim mediadas pelo professor.
No ambiente museal, os professores têm a
oportunidade de utilizar os objetos e imagens como disparadores para o ensino
de história. Os alunos devem ser incentivados a adotarem uma postura
investigativa, questionadora e crítica, disposta a olhar para além do que está
exposto, interrogando o por quê das escolhas institucionais, para compreenderem
que histórias estão sendo enaltecidas no museu. Mário Chagas (2013, p.30-31)
justifica que:
“É desejável abolir toda e qualquer
ingenuidade em relação ao museu, ao patrimônio e à educação. Ao lado dessa
abolição é desejável desenvolver uma perspectiva crítica, interessada em
investigar ao serviço de quem estão sendo acionados: a memória, o patrimônio, a
educação e o museu. É preciso saber que o museu, o patrimônio, a memória e a
educação tiranizam, aprisionam, acorrentam e escravizam os olhares incautos e
ingênuos. É preciso coragem para pensar e agir a favor, contra e apesar do
museu, do patrimônio, da memória e da educação. É preciso enfrentá-los com o
desejo de ressignificação e antropofagia, com a coragem dos guerreiros que
estão prontos para a devoração”.
Levando em conta as reflexões até aqui
expostas, propomos que os professores utilizem o museu não como templos, mas
como laboratórios. Que os docentes fomentem em suas turmas a vontade de saber,
proporcionando mais que um momento de contemplação, para permitir que o museu
seja um fórum, um espaço aberto a produção de novas narrativas. Os objetos
devem ser disparadores de discussões, motivando a reflexão dos visitantes. Em
sua função educativa, os objetos funcionam como geradores, interessando “esmiuçar
as várias dimensões sociais que caracterizam a criação e o uso dos objetos.
Torna-se fundamental estudar como os seres humanos criam e usam os objetos, e
vice-versa (RAMOS, 2004, p.36). Os professores devem dedicar seus esforços para
as relações estabelecidas a partir dos objetos, superando o valor do objeto em
si.
Ulpiano Meneses (2011) salienta que, diante
de uma tradição logocêntrica, os alunos costumam ter dificuldade de se
relacionarem com os objetos. Tendo uma atividade posterior, a ser desenvolvida
na escola, os alunos “copiam legendas, parecem caititus, aqueles porquinhos do
mato que tem uma consolidação cervical e não podem levantar o pescoço. Eles não
veem o que está acima da legenda” (Ibidem, p.421), ou seja, o professor deve
estimular sua turma para que ela aprenda a partir dos objetos, encarando as
várias camadas temporais e intencionais depositadas sobre um artefato.
Nos museus encontramos testemunhos
materiais de diversos momentos históricos, o que explica a tendência das
visitas pensadas no eixo da ilustração. Entretanto, destacamos que o sentido
dos objetos, isto é, a carga de representatividade histórica que ele possui, é
resultado de uma série de escolhas teórico-metodológicas, que incluem a missão
do museu e o ambiente no qual o artefato se localiza. Devemos estar atentos,
evitando que a representação seja apreendida como verdade absoluta, o que
distorce a função dos saberes históricos. Os objetos, inseridos na narrativa
museal, podem ser fetichizados, não só pelo seu valor material, mas pelos
sentidos metafóricos e metonímicos encarnados e comunicados pela sua existência
física.
A ideia de uma verdade histórica absoluta
deve ser veementemente combatida, em favor de uma educação que priorize a
problematização do museu como um espaço de memória e esquecimento, lugares de
litígio, dicotomia, poder e silêncio. A verdadeira democratização do acesso aos
museus não reside na garantia de visitação, os saberes museais só serão
democráticos quando forem acessíveis cognitivamente para seu público.
Referências
Priscila Lopes d’Avila Borges é doutoranda
em Políticas Públicas e Formação Humana, bolsista da FAPERJ e professora de História na rede privada do Rio de Janeiro.
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista
Brasileira de Educação, n. 19, 2002.
CERTEAU, Michel de. A Escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
CHAGAS, Mário. Educação, museu e
patrimônio: tensão, devoração e adjetivação. In: TOLENTINO, Átila Bezerra
(Org.). Educação patrimonial: educação,
memórias e identidades. João Pessoa: Iphan, 2013.
GALLO, Silvio. As múltiplas dimensões do aprender. In: Anais do Congresso de
Educação Básica: aprendizagem e currículo. Santa Catarina, 2012.
MENESES, Ulpiano. Entrevista com Ulpiano
Toledo Bezerra de Meneses: depoimento [31 de março de 2011]. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, v. 24, n. 48, p. 405-431, jul./dez. 2011.
Entrevista concedida a Luciana Quillet Heymann e Aline Lopes de Lacerda.
MUAZE, Mariana de Aguiar Ferreira. Ensino de
história e imagem: territórios possíveis. In: ROCHA, Helenice; MAGALHÃES,
Marcelo; GONTIJO, Rebeca (orgs.). O
ensino de história em questão: cultura histórica, usos do passado. Rio de
Janeiro: FGV, 2015.
RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação do objeto: o museu no ensino de
história. Chapecó: Ed. Argos, 2004.
Bom dia Priscila! Seu trabalho é importante para o processo de ensino-aprendizagem, os museus são espaços de interação e não só guardam a memória de um povo mostram aspectos do cotidiano. Não é um local de coisas velhas mais de memória, história, de socializar o conhecimento de dialogar com as imagens, objetos.
ResponderExcluirJosé, boa tarde. Os museus devem suscitar memórias, levando o próprio visitante a elaborar seus saberes, a partir dos objetos. é importante destacar que, para além do processo ensino-aprendizagem, a educação museal inclui uma anarquia dos corpos, capaz de emancipar o sujeito da aprendizagem, que se torna produtor de seus próprios saberes.
ExcluirPriscila Lopes d'Avila Borges
Parabéns pelo texto, Priscila.
ResponderExcluirGosto muito de museus principalmente por serem dinâmicos em relação ao trabalho do professor de História. Dessa forma, pode-se trabalhar sobre diferentes temas e perspectivas. Entretanto, infelizmente, existem muitas cidades no Brasil que se encontram com lonjura desses locais. Nesse sentido, qual sua opinião na utilização do uso dos sites de museus on-line por parte dos estudantes, bem como de programas que criam espaços para interação com esses locais?
Abraços, Edivaldo Rafael de Souza.
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ExcluirEdivaldo, obrigado!
ExcluirA distribuição de aparelhos culturais no território brasileiro é precária. A maioria dos museus está concentrado na região Sudeste e nas capitais. Acredito que a utilização de visitas online é um caminho, uma possibilidade para que os alunos tenham acesso, ao menos visual, ao nosso patrimônio histórico. Contudo, nada substitui a experiência em si, a chance de ser afetado pelo museu, por isso, proponho que os professores criem museus escolares, espaços culturais em seus bairros ou apresentem propostas de educação a partir dos objetos em sala de aula. Nós estamos acostumados a uma educação logocêntrica, ensinar através de objetos pode contribuir muito no desenvolvimento de habilidades e competências referentes ao ensino de história.
Priscila Lopes d'Avila Borges
Priscila, parabéns pela abordagem, bastante corajosa em apontar que existem problemas teórico-metodológicos no que se refere a utilização de espaços museais em atividades pedagógicas.
ResponderExcluirJoão, obrigado. Existem problemas na estrutura do trabalho docente e no planejamento pedagógico dos museus históricos, que eu estudei. Acredito que os fundamentos do deficit de abordagem estejam na nossa formação, uma vez que indicam o trabalho em museus como proveitoso, mas não ensinam como usar o museu para além da ilustração. Sem contar, é claro, as precárias condições da maioria das escolas pra transporte e liberação dos alunos
ExcluirPriscila Lopes d'Avila Borges