Maria de Lourdes Bernartt e Carolina Rodrigues da Silva



A MEMÓRIA E A HISTÓRIA ESQUADRINHADAS: PROCESSO DE DIAGNÓSTICO E COLETA DE DADOS COM A POPULAÇÃO IDOSA DO MUNICÍPIO DE PATO BRANCO/PR
  
O fenômeno do envelhecimento populacional vem sendo observado em todo o mundo nos últimos anos, proporcionado pelo aumento da expectativa de vida pela melhoria nas condições de saúde quanto pela questão da taxa de fecundidade. A população brasileira manteve a tendência de envelhecimento dos últimos anos e ganhou 4,8 milhões de idosos desde 2012, superando a marca dos 30,2 milhões em 2017, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Características dos Moradores e Domicílios, divulgada recentemente pelo IBGE (2018).
 A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2015) alerta a respeito das estatísticas que revelam o aumento do número de pessoas na terceira idade, e das consequências positivas do fato de haver uma maior população idosa, e do acelerado crescimento da quantidade de pessoas com mais de 60 anos, que dobrou nos últimos 30 anos e deve chegar a dois bilhões até 2050 no mundo. O Brasil, até 2025, será o sexto país do mundo com o maior número de pessoas idosas.
Também a Organização das Nações Unidas (ONU, 2012, p. 1), assevera que, “o número de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos vai mais que dobrar no mundo até 2050, passando das atuais 900 milhões para cerca de 2 bilhões”.
No Brasil, a representatividade de pessoas idosas vem aumentando consideravelmente. Em 2012, a população com 60 anos ou mais era de 25,4 milhões. Os 4,8 milhões de novos idosos em cinco anos correspondem a um crescimento de 18% desse grupo etário; as mulheres são 16,9 milhões (56% dos idosos), enquanto os homens idosos são 13,3 milhões (44% do grupo) (IBGE, 2018).
Levantamento do IBGE (2018) apontou que a região Sul é a que envelhece mais rápido no país. A região Sul do Brasil é a menor das regiões brasileiras, mas a terceira mais povoada e com uma grande quantidade de habitantes por área. Com uma área de 576.409 km² e apenas três estados: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A população da região Sul, segundo estimativas do IBGE (2018) para o ano de 2013, é de 28.795.762 habitantes. O estado do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro possuem o maior número de idosos do Brasil, ambas com 18,6% de suas populações dentro do grupo de 60 anos ou mais. Entre 2012 e 2017, a quantidade de idosos cresceu em todas as unidades da federação. O Amapá, por sua vez, é o estado com menor percentual de idosos, com apenas 7,2% da população (IBGE, 2018).

Segundo Peixoto (2004), o Brasil não é mais um país de jovens, a população idosa (com mais de 60 anos) ocupa a maior faixa de crescimento se comparando com o restante da população. O envelhecimento é um processo natural, embora nem todos o vivam da mesma forma, o mesmo está estritamente relacionado com as formas materiais e simbólicas que identificam socialmente cada indivíduo. O processo de envelhecimento difere dependendo do grupo social, identidade de gênero, orientação sexual e raça que a pessoa pertence.

Para Netto (2011), o aumento acentuado da população idosa trouxe consequência para a sociedade, e também para os indivíduos que compõem esta faixa etária, como problemas psicológicos, sociais, culturais e econômicos. Se por um lado a sociedade moderna confrontasse com o crescimento massivo da população idosa, de outro omite-se a esta mesma população ou adota atitudes preconceituosas, desacelerando destarte a implementação de ações que visam minorar o pesado fardo dos que adentram na terceira idade.

A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2008) destaca que, na atualidade, a maioria dos cidadãos idosos residem em meios urbanos. Corroborando com esse dado, estudos de Jordão e Silva (2014) demonstram que 84,35% da população brasileira vivem em áreas urbanas. Tal situação indica que as cidades precisam voltar a atenção para as circunstâncias e características locais que este envelhecimento populacional provoca, além do impacto futuro no desenvolvimento urbano que esse público formará (BUFFEL E PHILLIPSON, 2016).

Outros estudos, como os de Porto e Rezende (2016) demonstram que os ambientes influenciam as pessoas, no que se refere a bem-estar, comportamentos, emoções e capacidades e sugerem a readequação destes ambientes para proporcionar maior qualidade de vida a seus cidadãos. Para os autores, em relação à pessoa idosa, os laços são mais significativos com o seu espaço e contexto, entretanto, concomitantemente, a interação com o local vai declinando, decorrente do próprio processo de envelhecimento.

Em vista disso, a OMS (2008) justifica a necessidade e a relevância de as cidades proporcionarem estrutura e oportunidades para que seus habitantes se mantenham bem e ativos, defendendo a concepção de envelhecimento ativo, destacando a independência, a valorização do idoso pelo seu potencial físico, social e mental; participação na sociedade; respeito às suas necessidades, capacidades e desejos, enquanto lhes garante segurança, proteção e cuidados adequados.

Faz – se necessário que os ambientes, onde os idosos residem e convivem devam ser adaptados às suas necessidades, visando lhes garantir vida saudável bem-estar, segurança, envolvimento social e independência. Assim, uma cidade e comunidade amigável à pessoa idosa deve proporcionar saúde, segurança e participação para os cidadãos de todas as idades por meio de políticas, ambientes, estruturas e serviços, que apoiem e possibilitem às pessoas a envelhecer ativamente. Por sua vez, a cidade considerada amiga da pessoa idosa é aquela que:

a) “reconhece a ampla gama de capacidades e recursos entre os idosos; b) prevê e responde, de maneira flexível, às necessidades e preferências relacionadas ao envelhecimento; c) respeita as decisões dos idosos e o estilo de vida que escolheram; protege aqueles que são mais vulneráveis e; e) promove a sua inclusão e contribuição a todas as áreas da vida comunitária” (WHO, 2007).

Preocupada, então, com o envelhecimento populacional, a OMS elaborou um documento orientador para políticas públicas, em 2002, denominado Marco Político do Envelhecimento Ativo, embasado por produção teórica e estudos epidemiológicos multidimensionais sobre os determinantes sociais da saúde. Sua abordagem do “curso de vida” revela acentuada “… preocupação com a manutenção de boas relações intergeracionais e com a qualidade de vida de indivíduos de todas as idades e ao longo de toda a vida (AVAES e ILC-BRASIL, 2016, p. 1).

Em 2007, a OMS lançou o “Global age-friendly cities: a guide” (WHO, 2007), construído a partir dos fundamentos de “Envelhecimento ativo” da OMS (WHO, 2002) e traduzido para o português, como Guia Global Cidade Amiga do Idoso, com o objetivo de orientar o desenvolvimento de ambientes que favorecem o envelhecimento ativo.

Este Guia propõe um instrumento de autoavaliação e de mapeamento para a evolução de melhorias, possibilitando detectar principais informações sobre o bem-estar do idoso, bem como elencar aspectos fortes e fracos da cidade, mediante o diálogo com a população idosa e profissionais que atuam com esta população (OMS, 2008).

 Conforme destacado por alguns autores, dentre eles, Graeff, Domingues e Bestetti (2012), a metodologia proposta não é rígida, adapta-se de acordo com o contexto local, fundamentação teórica de seus idealizadores e pela natureza do objeto.

O guia tem como objetivo sensibilizar e orientar sobre como as cidades podem se tornar acolhedoras e promotoras de bem-estar a todas as pessoas, em especial, às pessoas idosas, assim como e fornecer parâmetros para formar um padrão universal como guia de autoavaliação da cidade. As características consideradas amigáveis ao acolhimento são definidas pelo processo de escuta de opiniões das pessoas idosas da cidade, uma vez que estas apresentam necessidades diferenciadas à medida que envelhecem, dessa forma, revelando um aspecto específico das experiências e vivências em área urbana. Para isso, é imprescindível que os gestores locais, visando tornar a cidade e a comunidade amigável às pessoas idosas devem rever políticas públicas, bem como realizar adaptações nas estruturas e serviços da cidade para proporcionar o bem-estar de sua população, e especialmente, promover a inclusão de pessoas idosas com diferentes necessidades e graus de capacidades.

Para a elaboração do Guia Global, a OMS desenvolveu um protocolo de pesquisa denominado Protocolo de Vancouver (questionário fechado com 72 questões e roteiro de grupo focal, por meio dos quais pessoas idosas, cuidadores de idosos e prestadores de serviços identificavam na comunidade, pontos fracos e fortes em relação à qualidade de vida dos idosos) (OMS, 2008).

O protocolo de Vancouver propõe uma abordagem metodológica qualitativa com a realização de grupo focal como técnica de coleta de dados, e apresenta um roteiro de questões composto por oito tópicos que servem para elaborar um diagnóstico das condições das cidades necessárias para se identificar as vantagens e as barreiras em se viver em áreas urbanas e, em especial, verificar se as necessidades das pessoas idosas estão sendo atendidas, quais sejam: 1) prédios públicos e espaços abertos; 2) transporte; 3) moradia; 4) respeito e inclusão social; 5) participação social; 6) comunicação e informação; 7) participação civil e empregos, e 8) apoio da comunidade e serviços de saúde nas cidades, considerando e respeitando os limites e as potencialidades dos idosos visando oferecer facilidades em se viver com segurança, participação social e qualidade de vida (WHO, 2007).

Participaram desta pesquisa inicial 33 cidades no âmbito mundial, 22 países, considerados desenvolvidos e em desenvolvimento, incluindo megacidades como Tóquio (Japão) e Londres (Inglaterra), e pequenas cidades, como Mayagüez (Porto Rico) e Montego Bay (Jamaica). Na América do Sul, fizeram parte Rio de Janeiro (Brasil) e La Plata (Argentina), envolvendo uma amostragem total de 1.500 idosos (OMS, 2008).
No Brasil, as quatro cidades brasileiras certificadas pela OMS no Brasil como Cidades e Comunidades Amigáveis com a Pessoa Idosa pertencem à região sul, e, são, respectivamente, Veranópolis, Porto Alegre e Esteio no Rio Grande de Sul e Pato Branco, no Paraná.
Para a obtenção da Certificação da cidade de Pato Branco-PR, no Programa Cidades e Comunidades Amigáveis com a Pessoa Idosa, da  Organização Mundial de Saúde, OMS (2008), vários atores sociais foram protagonistas do processo, dentre eles, a Prefeitura Municipal de Pato Branco-PR, o Rotary Club de Pato Branco, a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Campus Pato Branco e a comunidade em geral. Para isso, a trajetória compôs-se de várias etapas desde a sensibilização da sociedade até ações futuras, as quais envolveram as parcerias dos atores fundamentais como as pessoas idosas residentes no município, pesquisadores, líderes de instituições que atuam com pessoas idosas, poder público municipal e federal, entidades como os clubes de Rotary, Conselho e associações de idosos, entidades filantrópicas e entidades privadas.

Contudo, ao se analisar o protocolo de pesquisa denominado Protocolo de Vancouver,  com orientações do Guia Global, notou-se a dificuldade de aplicá-lo em sua integralidade, pelas razões que seguem: o original encontra-se em Inglês, é muito extenso (19 páginas), as questões relacionadas aos oito eixos são muito extensas, carece de padrão para as respostas, carece de informações sobre o peso atribuído às respostas, e especialmente, porque diversas questões não são adequadas às cidades brasileiras, carece de explicações metodológicas de aplicação do questionário e do grupo focal. Carece, especialmente, de uma forma mais dinâmica de aplicação do questionário e do grupo focal. Da forma como se apresenta, não é possível aplicá-lo no Brasil.

Em vista disso, pela expertise desenvolvida pela Equipe Multidisciplinar de Pesquisadores  (e colaboradores) da UTFPR, esta elaborou o próprio projeto, aprovando-o no CEP da instituição. Criou aplicativo inédito para a coleta de dados a campos, assim como a análise dos dados quantitativos, pela Cartografia de Síntese (MARTINELLI 1991, 2003; SAMPAIO, 2012; BUFFON, 2016). Já o tratamento dos dados qualitativos amparam-se teórica e metodologicamente no Método da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2009), e pelo grande volume de informações, utilizam o Software ATLAS. Ti[1], pela possibilidade de articulações entre diferentes elementos,  especialmente pela possibilidade de analisar os dados qualitativos em menor tempo e com maior confiabilidade; auxilia no processo de análise somente naquilo que o pesquisador estabelece para o processo analítico. Estes podem agregar as diferentes ferramentas e a associação entre elas, por exemplo, as codificações e suas respectivas frações de texto selecionadas durante a análise. O software Atlas.ti (Qualitative Research and Solutions) é um exemplo de CAQDAS, utilizado nas mais diversas áreas de investigação, para a análise qualitativa de dados.


Referências

Maria de Lourdes Bernartt é doutora em Educação Brasileira,  docente do Departamento de Ciências Humanas da UTFPR Campus Pato Branco e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional- PPGDR/UTFPR.

Carolina Rodrigues da Silva é graduada em História e Pedagogia. Mestranda em Desenvolvimento Regional pela UTFPR, campus Pato Branco. Bolsista CAPES.


ATLAS.TI. Atlas.ti scientific software development GmbH. Qualitative data analysis. Version 7.5.10. Berlin; 2015.

AVAES. Associação Veranense de Assistência em Saúde; ILC- Brasil.  Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-Brasil). Veranópolis – Cidade Para Todas As Idades ‘Envelhecimento Ativo: Criando um Município Para Todas As Idades’ A Medida da Linha de Base. Veranópolis, RS, 2016.
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal; Edições 70, LDA, 2009.
BUFFEL, T. & PHILLIPSON, C. Can global cities be “age-friendly cities”? Urban development and ageing populations. 2016. Cities, 55, 94–100. [Acesso em 22 de ago/2018]. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.cities.2016.03.016.
BUFFON, E. A. M. A leptospirose humana no AU-RMC (Aglomerado Urbano da Região Metropolitana de Curitiba/PR) – risco e vulnerabilidade socioambiental. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências da Terra, Programa de Pós-Graduação Geografia, 2016, 171f.

GRAEFF, B.; DOMINGUES, M. A.; BESTETTI, M. L. T. Bairro amigo do idoso no Brás: percepções sobre os migrantes internacionais. Revista Temática Kairós Gerontologia. São Paulo, v. 15, n. 6, p. 177-196, 2012.
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JORDÃO, H. M.; SILVA, M. R. C. e. Intervenções urbanas e suas precariedades. Estudos Vida e Saúde, Goiânia, v. 41, n. especial, p. 81 – 92, 2014.

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